segunda-feira, 25 de junho de 2018

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Publica-se o poema de António Gedeão «Poema do Cão ao Entardecer», poema que, segundo Rómulo de Carvalho nas suas «Memórias», muito terá agradado a Agustina Bessa Luís:

Um cão no areal corria presto.
Presto correria o cão no areal deserto.

Era ao entardecer, e o cão corria presto
no areal deserto.

Corria em linha reta, presto, presto,
pela orla do mar.
Pela orla do mar, em linha reta,
corria presto, o cão.

Era ao entardecer.
No areal as águas derramadas
nas angústias do mar
lambuzavam de espuma as patas automáticas
do cão que presto, presto, corria em linha reta
pela orla do mar.

Sem princípio nem fim, em linha reta,
pela orla do mar.

Era ao entardecer,
na hora espessa, peganhenta e úmida,
em que um resto de luz no espasmo da agonia
geme nas coisas e empasta-as como goma.
No espaço diluído, esfumado e cinzento,
corria presto o cão no areal deserto.
Corria em linha reta, presto, presto,
definindo uma forma movediça
que perfurava a névoa e prosseguia
pela orla do mar, em linha reta,
focinho levantado, olhos estáticos,
fixando o breve ponto onde se encontram
além de todo o longe
as retas que se dizem paralelas.
Alternavam-se as patas na cadência,
na cadência ritmada do movimento presto,
deixando no areal as marcas do contacto.
Presto, presto.

Como se um desejo o chamasse, corria presto o cão
no areal deserto.
O ritmo sempre igual, a língua pendurada,
os olhos como brocas, furadores de distâncias.

Em seu último espasmo a luz enrodilhou
o cão, o mar, o céu, o próximo e o distante.
Era um suposto cão correndo presto, presto,
num suposto areal, realmente deserto,
por uma linha reta mais suposta
que o areal e o mar
Mas presto, presto, sempre presto, presto,
ia correndo o cão no areal deserto.

António Gedeão em Obra Completa

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