quinta-feira, 7 de junho de 2018

PARA VÓS O MEU CANTO...


Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais um leito dum rio;

- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim e confio;

- para vós os meus versos, companheiros da vida!

Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores, 
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios para cantar...

Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
a crivo de bocejos as meninas fúteis...

Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.

E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia de Juízo...
                                           Que o Dia do Juízo
não é no céu... é na Terra!

Sidónio Muralha em Novo Cancioneiro

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