- Tenho cegueiras, Ntunzi. Sofro da
doença de Silvestre.
Fui à gaveta da cozinha e retirei a
pasta da escola que escancarei ante o olhar atónito de meu irmão.
- Veja estes papéis – disse, estendendo
um maço de páginas caligrafadas.
Tudo aquilo eu redigira nos momentos de
escurecimento. Atacado por cegueiras deixava de ver o mundo. Só via letras,
tudo o resto eram sombras.
- Você, agora, é uma sombra.
- Já tenho nome de sombra.
- Entende a caligrafia?
-Claro, esta é a sua caligrafia. Bem
desenhada, como sempre foi… Espere
Um pouco, está a dizer que escreveu tudo
isto sem ver?
- Deixo de ser cego apenas quando
escrevo.
Mia Couto em Jesusalém
Legenda: pormenor da capa da autoria de Rui Garrido
para o livro Jesusalém
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