Exercícios de Estilo
Luiz Pacheco
Editorial
Estampa, Lisboa, Julho de 1971
Tenho Amigos até 1 copo. Tenho todos os meus Amigos
tabelados: a cincos (o Edmundo Bettencourt, o Jaime Salazar Sampaio, por ex.),
a vintes (são a grande maioria), a cinquentas (o Mário Alberto, etc.), a
cemzes, a quinhentos (o Artur Ramos), a miles (destes últimos convém não
abusar, é só para as grandes aflições). A vintes cada bebedeira são á bicha,
bêbedas que apanhamos eles a pensarem neles e no que mais lhes interessa ou por
um bocado de companhia ou por um ouvido irmão para desabafar; eu a pensar nos
vintes que lhes vou cravar à despedida, na hora das emotivas efusões em que a
fraternidade é lei. Tenho Amigos que dão vintes mesmo sem vinho – e sabe-se lá
porquê? Tenho Amigos que dão a gravata a camisa a calça curta ou comprida
cachecóis lenços de assoar a esferográfica deles, todos os trocos miúdos das
suas algibeiras, com uma careta ou um riso satisfeito, tanto me faz. Tenho
ainda Amigos que me levam uma vez por ano à praia de popó e me dizem insistem
para que molhe ao menos os pés, lave as ventas na água salgada, insistem por
pura amizade para eu respirar fundo «qu’ali é qu’é bom». O iodo. As brisas
atlânticas. As beldades carnudas bem à mostra. Tenho outros Amigos que me põem
a ouvir a última gravação que compraram do Brell e oiço Les Timides, Les Vieux
e choramingo, na hora dos copos qualquer pretexto (me serve) lachrima triste à
esquerda (veio decerto directa do coração), lagrimeta condensada na pupila à
direita pelos tintos, forma de arroto vínico irreprimível subido do fígado
inchado que se enganou no caminho natural talvez sugestionado pelo Brell. Tenho
Amigos-amigos, Amigos-negócios à parte e Amigos-meio a atirar pró torto, da
onça. De todos preciso e assim-assim de todos gosto à minha maneira porque a
solidão e o silêncio são causas de morte, são a morte. O meu maior Amigo, digo:
aquele que me tem feito sofrer mais, sou eu. Por isso, talvez, também que o
prefira (e me gramo). Entre todos os Amigos às vezes me prefiro e tiro mais,
carrasco e vítima de mim mesmo, e bebo e drogo-me para o esquecer, o
desconhecer, e ainda às vezes tanto asco lhe voto e desespero que o matava logo
ali – a não ter tanto medo da polícia Eu).
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