Mário-Henrique manda-se para fora de pé.
Longa carta, datada de 13 de Setembro de 1961, ainda em
S. Domingos de Rana. E diz a Isabel que
a vai começar a tratar por tu.
Minha Maruska, ouve com atenção e não digas que não te
avisei: vais ter algum tempo para pensar, mas olha que depois, se quiseres,
nunca mais poderás voltar atrás. Não vai haver mais nenhum processo de divórcio
na minha vida, Isabel, creio que concordas e compreendes.
Ouve, querida, ouve com atenção e não digas que não te
avisei: não sou um homem nada fácil, sei isso muito bem. Complico coisas que
não devem ser complicadas, atiro outras pelo ar, enfim, parece que viver comigo
não é exactamente um paraíso. Além disso, tenho nesta altura a vida quase
completamente destruída (porque eu, estupidamente, a deixei destruir, é um
facto). Terei que reconstruir tudo mas, se tu quiseres, reconstrui-la-ei para
nós, com tanta ou mais força do que tenho feito até aqui. Também, Isabel, irão
acontecer várias coisas: vai haver fedelhos a rasgar livros e a quem eu
berrarei furibundo, só para tu os poderes beijar em seguida. Vai haver
complicação económica se tu não fores capaz de deitar a mão a esse assunto,
como administradora, Vai haver zanga e querela de vez em quando, talvez só para
poder haver uma razão para eu te beijar depois… Vão haver muitas coisas e,
portanto, deves pensar bem e saber se queres ou não queres que tudo isso
aconteça. Se não quiseres, Isabel, deixa-me pelo menos a recordação do teu
sorriso e a saudade enorme dos beijos que nunca te dei. E tenho muitas saudades
deles! Deixa-me isso – que não me podes tirar, nunca poderás – e sê
perfeitamente honesta para contigo e para comigo também. Já te disse, creio,
que em amor só há dois caminhos: sim ou não. Ninguém pode amar apenas por
simpatia e tolerância. Acaba tudo mal, como viste na minha “estimada esposa”. É
preferível não tentar aquilo de que não se está certo.
Mário-Henrique Leiria em Depoimentos Escritos
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