Salvador fez-nos um
vídeo e falou-nos como dois transmontanos que se dão um abraço calado porque um
deles sofreu uma perda. Começa a ser rara a gente sem gatinhos no olhar e nas
frases. "Olá a todos, daqui Salvador." O vídeo fixa-se nele e num desenho
de garoto, pendurado por fita-cola na parede. Podia ser dele o desenho, é de
homem. Fala da saúde que lhe foge: "E chegou infelizmente a altura de me
entregar, de entregar, digamos, o meu corpo à ciência." Salvador desfaz a
piada com nova piada: "Portanto, sair deste mundo de civis e ir para um
outro onde este problema seja resolvido." Há momentos destes, redentores
para a tecnologia e o progresso, falo da internet, que foi sequestrada por
delambidos com pena de si próprios. Afinal, a ciência talvez nos tenha dado
também uma ferramenta para gente sensível gozar com a morte e agarrar a vida.
"Entregar, digamos, o meu corpo à ciência...", já tive homens e
mulheres que me falaram assim, cáusticos e íntimos, mas éramos dois, já tinha
desesperado que isto pudesse acontecer pela internet. Salvador acredita, não
nos milhares para quem falou, mas num e outro e outro, cada um que foi tocado
por um homem forte de saúde frágil. "E tudo vai correr bem", diz. No
fim: "Vou tocar uma coisinha assim por brincadeira..." Pôs-se a cantar
não digas adeus, diz olá. Quem percebeu soube que ele vai voltar. Que ele quer
voltar. E, aqui entre nós, egoístas, precisamos que ele volte.
Ferreira Fernandes no Diário
de Notícias
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