domingo, 24 de setembro de 2017

DEUS, PÁTRIA E FAMÍLIA


Em 1926 sucedeu o que tinha de suceder, mais ano menos ano, para pôr cobro ao desassossego em que se vivia: a instauração de uma ditadura. Tinha este vosso tetraavô então a bonita soma de vinte anos. A ditadura prolongou-se até 1974, o que significa que esteve instalada em Portugal durante 48 anos! Foi demais para a nossa inquietude mas justifica-se tão dilatado tempo por duas fortíssimas razões que, conjugadas, permitiram esse resultado: uma, foi a simultaneidade de outras ditaduras em países europeus; outra, foi o surgimento inesperado de um homem monolítico, nem de torcer nem de quebrara, possuído de uma filosofia política firmemente assente nos valores tradicionais da Nação (Deus, Pátria e Família), provinciano de quatro costados, homem sem mulher, que usava botas com atacadores. Sobre a pressão dessas botas  pôs o país em silêncio enquanto as cabecinhas dos portugueses assomando na periferia das gáspeas erguiam os olhos para o seu salvador.
Chamava-se, o homem, António de Oliveira Salazar. Era natural do Vimieiro, no concelho de Santa Comba dão, e mestre de Economia e Finanças na Universidade de Coimbra.
Notem, meus queridos tetranetos, que Salazar não se esgueirou por entre as massas para alcançar a ribalta política. Ele estava sentado na sua cátedra, a debitar os seus saberes, quando os ditadores militares de 1926, já desorientados com a sua própria revolução, lhe suplicaram que viesses até Lisboa tornar conta da pasta das Finanças, pois tinham notícia da sua competência e a nau portuguesa estava prestes a afundar-se. O homem veio, aceitou o cargo e apresentou o seu plano de acção governativa. As exigências do seu programa eram muitas e pesadas e, como não foram aceites, Salazar pôs o chapéu na cabeça e voltou para Coimbra. Cerca de dois anos mais tarde, como a confusão continuasse na mesma, tornaram a chamá-lo. Que viesses, que fizesse o que quisesse. Ele veio e fez o que quis, com a consciência tranquila.

Rómulo de Carvalho em Memórias

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