sábado, 23 de setembro de 2017

ÀS VEZES NUNCA MAIS LÁ VOLTAMOS


Connosco é assim, meu rapaz. Somos polícias e toda a gente nos detesta. E, como se já não bastassem as arrelias da profissão, ainda temos de aturar tipos como você. Arriscamos constantemente a vida em casos sórdidos, sempre à espera de receber um punhado de «chumbo» no corpo, enquanto nos esperam em casa para jantar. Às vezes nunca mais lá voltamos. Há noites em que chegamos a casa tão cansados que não conseguimos comer, nem dormir, nem sequer ler as mentiras que os jornais dizem a nosso respeito. Ficamos acordados, às escuras, numa casa humilde de uma rua modesta, a ouvir os bêbedos que passam pela rua. E, no momento preciso em que pegamos no sono, o telefone toca, levantamo-nos e a rotina recomeça. Nada do que fazemos merece aplauso. Quando obtemos uma confissão, dizem que a conseguimos à força de espancar um tipo e, no tribunal, há sempre um que nos chama Gestapo. Se cometemos um erro, põem-nos fardados na rua e passamos as agradáveis noites de verão a apanhar bêbedos caídos na sargeta, a ser insultados por prostitutas e a desarmar teddy-boys. Mas tudo isto não basta para nos tornar inteiramente felizes. Precisamos de tipos como você.

Raymond Chandler em IngénuaPerigosa

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