A 8 de Setembro de 1961, em S. Domingos de Rana («Sempre S. Domingos, irra!»)
Mário-Henrique volta a escrever a Maria Isabel, e lá para
o fim da carta, declara o facto de «começo
a gostar de si. Isto, Isabel, é uma coisa que me parece não dever ocultar-lhe,
senão seria desonesto comigo mesmo.»
Cheguei há pouco de
Lisboa e, a esta hora quase matinal de solidão, entendi que só aqui, nesta
casa que já não é, poderia ficar e para aqui vim. Andei a vaguear entre o Marquês
de Pombal e o querido D. Pedro V, entre a asneira ditatorial e a cretinice
constitucional. Claro que, contra todas as regras da boa vizinhança, me atirei
ao pick-up e fi-lo uivar sovieticamente com as canções do abençoado Exército
Vermelho. À minha volta há lixo de cinza e mais cinza, muitos fósforos
queimados e um enorme espaço vazio. Porque não vem encher esse espaço com o seu
sorriso? Claro que você dará o seu sorriso a quem quiser e só deve dá-lo quando
achar que vale a pena. Não faça esmolas com o seu sorriso nem tenha pena de
ninguém, nunca tenha dó, que é o pior que se pode ter e o pior que se pode
oferecer a alguém.
Isabel, passei o
dia a pensar em si e parece-me que isto vai dar asneira comigo mesmo. Se der,
ainda bem, que asneira tem sido sempre a minha vida e, apesar de tudo, tenho
vivido com força. Estou até convencido que a asneira e o desespero são o
potencial que me há-de levar a encontrar finalmente aquilo que procuro.
Portanto, abramos os braços à asneira e à certeza dela. Isabel, amar é asneira
para os lógicos calculistas, abandonar as pantufas e trocá-las por um saco de
2caçador da vida” é asneira para os mesmos lógicos. Tudo será asneira, quando
queremos conseguir o nosso direito ao amor, à calma e à pouca felicidade que
este mundo nos dá. Bem, então para o Inferno com os lógicos e continuemos a
olhar o sol bem de frente e a acreditar na manhã.
Legenda: ilustração Shorpy
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