sexta-feira, 22 de setembro de 2017

OLHAR AS CAPAS


Atravessando o Paraíso

Sam Shepard
Tradução: José Vieira de Lima
Capa: Fernando Felgueiras
Difel, Lisboa, Fevereiro de 1997

Era uma coisa que lhe dava sempre náuseas, fazer as malas. Aquela comichão indistinta a espreitar na garganta. A boca a saber a algodão. Bastava-lhe ver a roupa interior e as meias estupidamente à espera dele na cadeira. A pilha de T-shirts desbotadas. Estava-se nas tintas para a ordem segundo a qual as roupas iam para o saco verde. Misturava-as a esmo e nunca pensava no que poderia precisar de tirara primeiro ou em que cidade poderia para na primeira noite. Para dizer a verdade, agora não fazia ideia nenhuma sobre a direcção a seguir ou sobre a estrada que havia de tomar. Era cara ou coroa. Tentou imaginar um destino: Lexington; El Paso; Boulder City. Não fazia ideia. Os destinos misturavam-se todos. Tentou ver-se a si mesmo lá. Algures num sítio qualquer. A chegar. Albuquerque, talvez. Tucumcari. Viu uma cafeteira Denny’s que lhe parecia familiar, para lá de um parque de jogos e de uma velha estação dos caminhos de ferro; mas não estava certo quanto à cidade onde se lembrava de os ter visto ou quanto ao que esses sítios teriam que justificasse o seu regresso. Pensou em queimar todos os seus mapas.

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