O Anjo da
Tempestade
Nuno Júdice
Capa: Henrique Cayatte
Pintura
da capa de Jorge Martins
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Outubro de 2004
Com a mulher, que
depois dessa manhã já se lhe pode chamar assim, e não apenas noiva, é que as
coisas mudam de figura porque, depois de se deitar com um homem, mesmo que nada
se tenha passado entre eles, embora a criada jure que não, avaliando pelo
estado em que descobriu a colcha, sobre a cama, a sua reputação nunca mais será
a mesma, a não ser que se case com o homem, o que não será o caso porque a um
morto já não se pede a mão, e mesmo que ela esteja pedida, já a mão deste não
se pode estender, na igreja, para receber o anel de casamento. Morto e bem
morto, ainda que não houvesse cadáver, nem ele tenha aparecido, a não ser muito
tempo depois, e num estado em que ninguém poderia jurar que era ele, ou se
seria o ladrão, que ele teria conseguido eliminar, aproveitando-se disso para
fugir para onde não mais o encontrassem, que era o que ele queria, para se ver
livre não se sabe bem de quê, se dos trabalhos da vida, se das dívidas, se da
noiva, cujo corpo não lhe teria parecido igual ou melhor do que outros que
conhecera, antes dela, e não se sentia com paciência para lhe transmitir a
educação que ela não tivera com outros, namorados ou não, ou pura e
simplesmente porque sim, nesse desejo de aventura que poderá acontecer a
alguém, num meio de vida que já se sabe não irá durar muito, e ou a irá gozar agora
ou depois será demasiado tarde.
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