E a glória? Essa
miragem que tira o sono a tanta gente?
Manda-me a
prudência calar o que penso da glória e, muito principalmente, do que tantos
fazem para atingi-la. Lá viria o «estão verdes». Fatalmente. E sei lá se com
razão. Nunca a gente se conhece bem até ao fundo.
Direi
só, serrazinento, que a acho dama enganadora e tanto mais na época das grandes
montagens publicitárias, com poderosas ligações multinacionais, tudo o que vem
é ganho, etc. e tal. Uma famosa escritora (não só) policial pensa acertadamente
que «talvez para um escritor muita da sua sorte venha do facto de ter a
publicidade certa no momento certo». Publicidade. A explicação de (quase)
tudo. Num livrinho que me interessou bastante, sobre a fabricação (será o termo
exacto) de contos e romances, não forçosamente policiais, a mesma autora
emprega com sintomática frequência o verbo ou a ideia de «vender» onde até
agora se tem dito, por exemplo, «agradar»: «para conseguir vender...»,
«encontrar um mercado para isto», «uma história que se venderá», «um livro é
tanto mais facilmente vendido para televisão e cinema, se...», se «se pretende
um determinado mercado...»
Pobre do livro transformado em vistoso objecto de consumo. Pobres
de todos nós. «Já leste?», «Não, mas tenho lá para ler. Parece que é muito
bom». E as edições saindo, tanto melhor assim, e as traduções também (certos
agentes são duma criatividade de deixar a boca aberta), e Portugal
transformando-se, que me dizem a isto?, num viveiro de criadores com manifesta
surpresa da Europa e arredores. Um quinto império no papo. Apesar da língua
aos tropeções, sob vários aspectos, não se fala agora nisso, quem cá ficar
verá. Se tiver olhos para ver e se os quiser usar.
Mário Dionísio em Autobiografia
Legenda: Mário
Dionísio e João José Cochofel, fotografia tirada de Autobiografia
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