domingo, 22 de julho de 2018

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Roger Vailland é um escritor datado, mas marcou muita gente nos anos 60/70.

Passados todos estes anos, ainda me confesso um leitor agradado de São Roger Vailland.

Vailland teve uma passagem curta pelo Partido Comunista Francês.

No 2º volume de Escritos Íntimos dá conta desse findar de caminho militante com o Partido.

Recorde-se:

«5 de Junho de 1956

Regresso de Moscovo.

À minha chegada, quinze dias antes, a estátua em pé de Estaline estava ainda no hall do aeroporto. No dia da minha partida, continuava lá, mas coberta com um resguardo branco. Em breve a vão retirar. Os homens da construção civil fixá-la-ão com nós corredios e puxarão a talha.
Cheguei a amar os tiques da sua linguagem. Colocava as primeiras pedras de um raciocínio, depois dizia «prossigamos»; adorei isso. Mas ao regressar a casa, foi bem preciso retirar o seu retrato da parede, por cima da minha secretária; deixá-lo, seria ter tomado partido contra aqueles que, lá, prosseguem a construção do mundo que ele começou a edificar, e a favor daqueles que, aqui ou algures, aspiram à tirania.
Nunca mais colocarei o retrato de um homem nas paredes da minha casa.
No canto da biblioteca reservado aos historiadores da Revolução Francesa tirei também as duas grandes gravuras da época, intituladas Jornada de 21 de Janeiro de 1793, Jornada do 16 de Outubro de 1793; vê-se aí o carrasco mostrar à multidão a cabeça de Capet, um outro carrasco erguer o cutelo da guilhotina, enquanto os auxiliares mandam subir para o cadafalso Maria Antonieta. A multidão aplaude. Convencional, teria votado pela morte de Luis XVI e pela de Maria Antonieta; quero com isto dizer que hoje ainda, em circunstâncias análogas, votaria a morte. Mas Meyerhold que amo, que amava, foi fuzilado, em execução de um julgamento injusto, ditado por Estaline, que eu amava. Nunca mais poderei alegrar-me por o sangue ser vertido, mesmo o dos meus inimigos, excepto se for por mim mesmo, em combate leal.»

Lendo Vailland percebem-se as razões por que Salazar, a PIDE e a censura, perseguiram, ou tentassem perseguir, quem o  lia, para além de outros.

Mas saber que a Fundação Calouste Gulbenkian – a mando salazarista? – também atentasse contra as nossas leituras e ideias é algo que, de modo algum, deixa a reputação gulbenkiana no limiar das ruas da amargura.

Tinha um Conselho de Leitura e, em Janeiro de 1963, para análise de Fim de Semana de Roger Vailland foi escolhido o escritor e filósofo António Quadros, nada mais, nada menos que, filho de António Ferro, braço direito de Salazar e da escritor Fernanda de Castro.

Muitos já esqueceram, mas é depura higiene, física e intelectual, não esquecer o quanto a minha geração, juntamente com outras, estas gerações foi rigorosamente vigiada.

Mas, como escreveu Carlos de Oliveira:


Por mera curiosidade – e não só! - fica o registo da «leitura» de António Quadros:

«Género: romance
Valor: Bom
Intenção: recreativa
Acessibilidade Fácil
Idade leitores: Mais de 21 anos de sólida formação moral e intelectual
Aceitável, apenas para reservas
Livros do Brasil: 35$00
Preço: 35$00
Assunto e outras observações: O tema é típico de R. Vailland: a mulher, para conservar o marido, escritor célebre, tem como processo garantir-lhe inteiramente a liberdade, e, até, favorecer as suas conquistas. O escritor precisa, de quando em quando, do que chama “uma festa”… Depois, regressa a casa, onde a mulher, além de compreensiva, é confidente das aventuras do marido.
O livro seria normalmente de recusar, mas não há dúvida de que tem um alto nível literário. Superior até a outros de Vailland, escritor muito representativo. Por isso, consideramo-lo aceitável para reservas e para adultos de sólida formação.

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