Roger Vailland é um
escritor datado, mas marcou muita gente nos anos 60/70.
Passados todos estes
anos, ainda me confesso um leitor agradado de São Roger Vailland.
Vailland teve uma
passagem curta pelo Partido Comunista Francês.
No 2º volume de Escritos Íntimos dá conta desse findar
de caminho militante com o Partido.
Recorde-se:
«5 de Junho de 1956
Regresso de Moscovo.
À minha chegada, quinze dias antes, a estátua em pé de
Estaline estava ainda no hall do aeroporto. No dia da minha partida, continuava
lá, mas coberta com um resguardo branco. Em breve a vão retirar. Os homens da
construção civil fixá-la-ão com nós corredios e puxarão a talha.
Cheguei a amar os tiques da sua linguagem. Colocava as
primeiras pedras de um raciocínio, depois dizia «prossigamos»; adorei isso. Mas
ao regressar a casa, foi bem preciso retirar o seu retrato da parede, por cima
da minha secretária; deixá-lo, seria ter tomado partido contra aqueles que, lá,
prosseguem a construção do mundo que ele começou a edificar, e a favor daqueles
que, aqui ou algures, aspiram à tirania.
Nunca mais colocarei o retrato de um homem nas paredes
da minha casa.
No canto da biblioteca reservado aos historiadores da
Revolução Francesa tirei também as duas grandes gravuras da época, intituladas
Jornada de 21 de Janeiro de 1793, Jornada do 16 de Outubro de 1793; vê-se aí o
carrasco mostrar à multidão a cabeça de Capet, um outro carrasco erguer o
cutelo da guilhotina, enquanto os auxiliares mandam subir para o cadafalso
Maria Antonieta. A multidão aplaude. Convencional, teria votado pela morte de
Luis XVI e pela de Maria Antonieta; quero com isto dizer que hoje ainda, em
circunstâncias análogas, votaria a morte. Mas Meyerhold que amo, que amava, foi
fuzilado, em execução de um julgamento injusto, ditado por Estaline, que eu
amava. Nunca mais poderei alegrar-me por o sangue ser vertido, mesmo o dos meus
inimigos, excepto se for por mim mesmo, em combate leal.»
Lendo Vailland
percebem-se as razões por que Salazar, a PIDE e a censura, perseguiram, ou
tentassem perseguir, quem o lia, para além de outros.
Mas saber que a Fundação
Calouste Gulbenkian – a mando salazarista? – também atentasse contra as nossas
leituras e ideias é algo que, de modo algum, deixa a reputação gulbenkiana no
limiar das ruas da amargura.
Tinha um Conselho de
Leitura e, em Janeiro de 1963, para análise de Fim de Semana de Roger Vailland foi escolhido o escritor e filósofo
António Quadros, nada mais, nada menos que, filho de António Ferro, braço
direito de Salazar e da escritor Fernanda de Castro.
Muitos já esqueceram,
mas é depura higiene, física e intelectual, não esquecer o quanto a minha
geração, juntamente com outras, estas gerações foi rigorosamente vigiada.
Mas, como escreveu
Carlos de Oliveira:
Por mera curiosidade
– e não só! - fica o registo da «leitura» de António Quadros:
«Género: romance
Valor: Bom
Intenção: recreativa
Acessibilidade Fácil
Idade leitores: Mais de 21 anos de sólida formação moral e intelectual
Aceitável, apenas para reservas
Livros do Brasil: 35$00
Preço: 35$00
Assunto e outras observações: O tema é típico de R. Vailland: a mulher,
para conservar o marido, escritor célebre, tem como processo garantir-lhe
inteiramente a liberdade, e, até, favorecer as suas conquistas. O escritor
precisa, de quando em quando, do que chama “uma festa”… Depois, regressa a
casa, onde a mulher, além de compreensiva, é confidente das aventuras do
marido.
O livro seria normalmente de recusar, mas não há dúvida de que tem um
alto nível literário. Superior até a outros de Vailland, escritor muito representativo.
Por isso, consideramo-lo aceitável para reservas e para adultos de sólida
formação.
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