Muitos meses depois, já em 53, liberto pois
de qualquer disciplina partidária, fiz uma série de oito conferências na
Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências de Lisboa, por iniciativa da
sua secção cultural.
Público crescente. Pois sou informado de que, enquanto falava, naquele
silêncio ávido e colaborante que é o prémio maior para qualquer orador, se
bichanava na sala a deitar por fora: «Um tipo bestial. E pena como se portou
quando esteve preso. Meteu muita gente dentro». Era infantil. Quem me
conhecia, e muitos me conheciam, sabia perfeitamente que eu nunca estivera
preso.
A verdade é que nenhuma organização tem culpa dos seus doentes nem até
dos seus períodos de crise sobretudo com dirigentes importantes na cadeia. O
que não obsta a que a bola de neve comece a tentar formar-se.
Não me passou despercebido, já
três anos andados e o tosco processo concluído, o tipo de objecções que o
Mário Sacramento e o meu velho amigo Óscar Lopes acharam por bem fazer — só
eles e só então — a algumas teses expostas n' A Paleta e o Mundo, não se esquecendo ambos de informar os
respectivos públicos de que o autor mudara de doutrina e que, embora muito isto
e mais aquilo, abandonara «o caminho comum». Quanto a «caminho comum», na acepção que lhe davam, era já
mais que evidente. Mas lá quanto a doutrina...
Havia muita coisa por detrás, que talvez nem eles conhecessem.
Pormenores de importância, ouso pensar. E, porque a história das ideias, dos
países, dos partidos, finalmente das pessoas, também de pormenores se faz,
espero ainda contar os que comigo se prendem (se prenderam) quando tiver espaço
para tanto. Não tem
pressa. E talvez — é a minha vez de o pensar — não seja o melhor momento para.
Resta saber se alguma vez o será.
Mário Dionísio em Autobiografia
Legenda: Mário
Dionísio na Praia Grande. Fotografia de sua filha Eduarda Dionísio retirada do
catálogo Passageiro
Clandestino
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