domingo, 29 de julho de 2018

TENHO UM METRO E SETENTA E OITO


Vamo-nos aproximando do das derradeiras páginas das Memórias de Rómulo/Gedeão.
Conta agora aos tetranetos as homenagens que lhe fizeram em vida:

«…aqui para nós que ninguém nos ouve, achei demasiadas tantas homenagens. Não me lembro de nenhum caso como este. Foi talvez único. Eu imagino como os meus colegas de çetras, das poesias e das prosas, terão franzido o sobrolho à medida  que foram tendo notícia dos acontecimentos. Mas que é isto? A surpresa deles teria sido igual à minha. Achei sinceramente que foi demais.»

No dia 17 de Dezembro de 1966, a Escola Secundária Pedro Nunes, antigo Liceu Pedro Nunes, homenageou o seu antigo professor:

«Comecei por efectuar duas visistas aos meus antigos locais de trabalho que deixei há vinte e um anos, em 1975. A primeira foi ao Laboratrio da Física à entrada do qual descerrei o pano que cobria uma lápide sobre a porta que atribuía o meu nome àquele espaço. Lá dentro tudo em ordem, o material nas prateleiras dos armários (à excepção das peças roubadas pelos alunos após o 25 de Abril), e a minha mesa de carpinteiro, que o reitor de então lá pusera a meu pedido, onde saboreei longas horas em que nela serrei, limei, martelei, preguei».
(…)
«Num dos últimos dias do mês de Dezembro a Editora João Sá da Costa lançou ao público uma edição da poesia de António Gedeão intitulada “Poesia Completa”. É uma edição luxuosa, de grande formato, que reúne toda a minha obra poética, os seis volumes que publiquei, ilustrada com dezasseis estudos do consagrado pintor Júlio Pomar. A obra custa um pouco menos do que recebo, em dois dias, do meu vencimento de miserável reformado. Também haverei de ser condecorado por ter conseguido viver com tão pouco.»
(…)
«Reparando em tanta e tanta gente que se me dirigiu, por escrito, ou por boca, em tanta gente que participou nas diversas homenagens, gente de nomeada, professores universitários, investigadores, cientistas, avulta o desinteresse dos letrados, dos escritores, dos chamados intelectuais. O reduzidíssimo número dps que se manifestaram, três ou quatro, fizeram-no porque foram especialmente convidados para colaborarem, como foi o caso de Urbano Tavares Rodrigues, que estou certo nunca se lembraria de me escrever, dando-me cumprimentos, se não o tivessem escolhido para falar sobre mim na sessão da Academia das Ciências. Nem um só escritor se lembrou de me enviar um cartãozinho de cumprimentos. Nem um só. Vocês, meus queridos tetranetos, que me conhecem bem, sabem que isto, em mim, não é motivo de aborrecimento, de desagrado, de ressentimento, de protesto, mas apenas motivo de reparo. Reparei que nenhuma pessoa de letras, espontaneamente, me cumprimentou. Recordei até aquele rapaz, de nome João de Melo, escritor, com quem um dia conversei, que em certo momento me disse que eu era “um grande poeta. Sim – disse eu. Tenho um metro e setenta e oito. Ele não se riu, nem sorriu. Olhou-me sério e de sobrancelhas carregadas.»

Rómulo de Carvalho em Memórias

Legenda: Liceu Pedro Nunes

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