quinta-feira, 30 de maio de 2019

EM ARANJUEZ PASSANDO POR COCHOFEL


João José Cochofel é um amável poeta.

Claro que já ninguém o lê, muito poucos saberão quem seja.

Quando havia tertúlias nos cafés de Lisboa, lá estava ele juntamente com o Carlos de Oliveira, o Augusto Abelaira, o José Gomes Ferreira, o Manuel Mendes.

Penso na casa de campo que tinha no Senhor da Serra, em Semide, onde na sala Ping-Pong nasceu o projecto musical Marchas, Danças e Canções.

Em Setembro de 1945, a casa de João José Cochofel no Senhor da Serra, em Semide, juntou Fernando Lopes-Graça, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e João José Cochofel.

Um ministro de Salazar disse:

«É mais perigoso um mi bemol de Lopes Graça do que mil panfletos subversivos.»

José Gomes Ferreira, em A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, conta como, naquele ano de 1945, tudo começou:

«Nesse Verão, como lhe contasse que eu ainda não tinha encontrado poiso no campo para convalescer, Fernando Lopes Graça, propôs-me:

-Venha comigo para o Senhor da Serra, perto de Semide…

- Há por lá alguma pensão?

- Pensão propriamente dita não há. Mas a srª Rosinha costuma receber hóspedes num quartito muito limpo e com uma vista extraordinária para o Vale da Lousã… E fica a dois passos da casa do João José Cochofel, onde vou instalar-me.»

Na casa de João José Cochofel juntaram-se, então, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira, Carlos de Oliveira.

Tudo isto para vos dizer que ao folhear o 46º Aniversário de João José Cochofel, pág. 127, encontrei o poema XI de Emigrante Clandestino, com estes versos sublinhados:

«O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.»

A tal ponto que chegou a comprar um EP do Richard Anthony em que o francês canta um excerto do Concerto. Chegou a falar-me se quando encontrasse interpretações cantadas do Concerto lhe dissesse. Prazeres secretos nunca revelados.

Aqui há uns largos tempos, a Aida falou-me de que existia uma interpretação de Dulce Pontes. 

O meu já há muito que não anda por aqui, e eu não sou fã da cantora, mas o ter encontrado o poema do Cochofel fez-me lembrar que deveria ir à procura da interpretação da Dulce Pontes.

Estou certo que o meu pai gostaria e, por ele, nesta tarde asfixiante de calor, deixo-vos a Dulce Pontes com um trecho do Concerto de Aranjuez e o poema do João José Cochofel:

Aranjuez surge
com as suas águas mais vivas,
as suas sombras mais densas,
o seu sol mais estival,
que os olhos cegos de Rodrigo
trouxeram até à lonjura sem distância de ouvir
entre a pedra violenta de Toledo
 a carne lilás da caixeirinha da Gran Via
a guitarra de Yepes
O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.

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