João José
Cochofel é um amável poeta.
Claro que já
ninguém o lê, muito poucos saberão quem seja.
Quando havia
tertúlias nos cafés de Lisboa, lá estava ele juntamente com o Carlos de
Oliveira, o Augusto Abelaira, o José Gomes Ferreira, o Manuel Mendes.
Penso na casa de
campo que tinha no Senhor da Serra, em Semide, onde na sala Ping-Pong nasceu o
projecto musical Marchas, Danças e Canções.
Em Setembro de
1945, a casa de João José Cochofel no Senhor da Serra, em Semide, juntou
Fernando Lopes-Graça, Carlos de Oliveira, José Gomes Ferreira e João José
Cochofel.
Um ministro de
Salazar disse:
«É mais perigoso um mi bemol de Lopes Graça do que mil
panfletos subversivos.»
José Gomes
Ferreira, em A Memória das Palavras ou o Gosto de Falar de Mim, conta
como, naquele ano de 1945, tudo começou:
«Nesse Verão, como lhe contasse que eu ainda não tinha
encontrado poiso no campo para convalescer, Fernando Lopes Graça, propôs-me:
-Venha comigo para o Senhor da Serra, perto de Semide…
- Há por lá alguma pensão?
- Pensão propriamente dita não há. Mas a srª Rosinha
costuma receber hóspedes num quartito muito limpo e com uma vista
extraordinária para o Vale da Lousã… E fica a dois passos da casa do João José
Cochofel, onde vou instalar-me.»
Na casa de João
José Cochofel juntaram-se, então, Fernando Lopes Graça, José Gomes Ferreira,
Carlos de Oliveira.
Tudo isto para
vos dizer que ao folhear o 46º Aniversário de João José Cochofel, pág. 127,
encontrei o poema XI de Emigrante Clandestino, com estes versos
sublinhados:
«O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.»
A tal ponto que
chegou a comprar um EP do Richard Anthony em que o francês canta um excerto do
Concerto. Chegou a falar-me se quando encontrasse interpretações cantadas do
Concerto lhe dissesse. Prazeres secretos nunca revelados.
Aqui há uns largos
tempos, a Aida falou-me de que existia uma interpretação de Dulce Pontes.
O meu
já há muito que não anda por aqui, e eu não sou fã da cantora, mas o ter
encontrado o poema do Cochofel fez-me lembrar que deveria ir à procura da interpretação
da Dulce Pontes.
Estou certo que
o meu pai gostaria e, por ele, nesta tarde asfixiante de calor, deixo-vos a
Dulce Pontes com um trecho do Concerto de Aranjuez e o poema do João José Cochofel:
Aranjuez surge
com as suas águas mais vivas,
as suas sombras mais densas,
o seu sol mais estival,
que os olhos cegos de Rodrigo
trouxeram até à lonjura sem distância de ouvir
entre a pedra violenta de Toledo
a carne lilás
da caixeirinha da Gran Via
a guitarra de Yepes
O concerto de Aranjuez aquece e refresca
esta tristeza de emigrar
sem ter para onde na bagagem.
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