A Vida de Anton Tchekov
Elsa Triolet
Tradução:
Alfredo Brás
Capa: João da
Câmara Leme
Colecção O Livro
de Bolso nº 35/36
Portugália
Editora, Lisboa s/d
Calma, tranquila, foi a morte de Anton Pavlovitch.
Tinha acordado no princípio da noite e, pela primeira vez na sua vida, ele
próprio pediu um médico. O sentimento de qualquer coisa imensa que ia atingir-nos
dava a tudo o que eu fazia dessa calma, essa precisão, como se alguém me
guiasse com segurança. Recordo-me de um único momento apavorante, em que me
senti perdida: o sentimento de uma multidão a meu lado, no grande hotel
adormecido, e, simultaneamente, o da minha solidão total, da minha impotência.
Recordei-me que nesse hotel habitavam estudantes russos que eu conhecia, dois
irmãos, e pedi a um deles que fosse depressa procurara um médico; eu própria comecei
a quebrar o gelo para o colocar sobre o coração do moribundo. Ouço, ainda, na
calma opressiva duma noite de Julho, insuportavelmente sufocante, o ruído dos
passos afastando-se sobre a areia rangente…
O médico chegou, mandou vir champanhe. Anton
Pavlovitch assentou-se e disse ao médico, em alemão, duma maneira firme,
falando alto (ele pouco sabia de alemão): «Ich sterbe.» Em seguida agarrou no
copo, voltou o rosto para mim, sorriu com o seu admirável sorriso e disse: «Há
muito tempo que não bebo champanhe…». Esvaziou o copo, calmamente, deitou-se
serenamente sobre o lado esquerdo e em breve se calou para sempre… Uma enorme
borboleta nocturna, trazida por uma rajada de vento, era agora a única a
perturbar o espantoso silêncio da noite, batendo dolorosamente contra as
lâmpadas eléctricas, volteando no quarto…
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