domingo, 12 de maio de 2019

OLHAR AS CAPAS


A Vida de Anton Tchekov

Elsa Triolet
Tradução: Alfredo Brás
Capa: João da Câmara Leme
Colecção O Livro de Bolso nº 35/36
Portugália Editora, Lisboa s/d

Calma, tranquila, foi a morte de Anton Pavlovitch. Tinha acordado no princípio da noite e, pela primeira vez na sua vida, ele próprio pediu um médico. O sentimento de qualquer coisa imensa que ia atingir-nos dava a tudo o que eu fazia dessa calma, essa precisão, como se alguém me guiasse com segurança. Recordo-me de um único momento apavorante, em que me senti perdida: o sentimento de uma multidão a meu lado, no grande hotel adormecido, e, simultaneamente, o da minha solidão total, da minha impotência. Recordei-me que nesse hotel habitavam estudantes russos que eu conhecia, dois irmãos, e pedi a um deles que fosse depressa procurara um médico; eu própria comecei a quebrar o gelo para o colocar sobre o coração do moribundo. Ouço, ainda, na calma opressiva duma noite de Julho, insuportavelmente sufocante, o ruído dos passos afastando-se sobre a areia rangente…
O médico chegou, mandou vir champanhe. Anton Pavlovitch assentou-se e disse ao médico, em alemão, duma maneira firme, falando alto (ele pouco sabia de alemão): «Ich sterbe.» Em seguida agarrou no copo, voltou o rosto para mim, sorriu com o seu admirável sorriso e disse: «Há muito tempo que não bebo champanhe…». Esvaziou o copo, calmamente, deitou-se serenamente sobre o lado esquerdo e em breve se calou para sempre… Uma enorme borboleta nocturna, trazida por uma rajada de vento, era agora a única a perturbar o espantoso silêncio da noite, batendo dolorosamente contra as lâmpadas eléctricas, volteando no quarto…

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