Voltamos às páginas
do Joaquim Vieira em José Saramago Rota da Vida.
Vieira conta que
José Saramago, vivendo na Parede com Ilda Reis e a filha Violante, inscreve-se «como
o sócio nº 488 do Clube Nacinal de Ginástica da Parede, dedicando-se ao ténis
como a sua actividade física favorita. E surpreendentemente publica no suplemento
«Cultura e Desporto», do jornal «O Benfica», em início de 1956, um longo
artigo intitulado «É tempo», onde não fala de desporto mas sim de «atitude do
homem cristalizado diante da arte moderna, para fazer uma apaixonada apologia
das vanguardas estéticas.
Joaquim Vieira
não conta, mas José Saramago foi sócio do Sport Lisboa e Benfica e tal como se
pode ler no catálogo da exposição José
Saramago: A Consistência dos Sonhos em 1999 tornou-se Sócio
Honorário Desportivo do Sport Lisboa e Benfica.
Há um curioso
recorte do Mário Castrim, numa crítica, publicado no semanário Tal &
Qual, a um programa, bem idiota, dos princípios da SIC, que dava pelo nome
de Os Donos da Bola:
«O momento mais alto do programa aconteceu na
Assembleia do Benfica transmitida em directo. Levantou-se para falar o sócio
Jorge Máximo. “O galardão máximo da literatura foi entregue a José Saramago.
Ainda por cima, José Saramago é do Benfica. Vamos daqui dar uma salva de palmas
a esse grande homem, a esse grande português. Somos campeões do mundo em
literatura! É isso que nós, benfiquistas, não podemos perder no nosso
humanismo».
Fico siderado. Uma vontade doida de rir e não ser
capaz. Porque aquilo é mesmo assim. Todos agora nos sentimos campeões do mundo
em literatura, todos e não apenas os benfiquistas. Está aí a grandeza so
Saramago: dar força ao nosso humanismo».
Algures, José
Saramago reflecte que o futebol tem o velho problema: ou é bem, ou mal
jogado.
Numa entrevista
que deu a Afonso de Melo, e publicada em A Bola Magazine de
Novembro 1998, José Saramago fala dos seus desencantos com o futebol.
Eu fui sócio do Benfica com os meus oito ou nove anos,
Por influência do meu pai, claro está!, ele era um benfiquista ferrenho, no tempo
do Estádio das Amoreiras, com aquelas bancadas e aquele peão de terceiro mundo.
Mas depois as mudanças de vida levaram-me por outros caminhos. Não me apetecia
estar a sair de casa para ver um jogo. Nunca fui suficientemente entusiasta para
andar de bandeira e cachecol e toda essa parafernália que fez com que o
espetáculo se tenha deslocado do campo para as bancadas. O que, aliás, está de
acordo com os atuais costumes do Mundo. Além do
mais desagradei-me.
Também não quero estar aqui com a conversa saudosista
do «antigamente é que era bom». Mas a verdade é que, nessa época, o
jogador tinha o seu clube, e clube e jogador estavam pegados um ao outro. A
camisola era uma coisa respeitável. Quase como uma outra bandeira. E o Benfica
viveu o orgulho de só ter jogadores portugueses...Num tempo não muito distante.
E agora o que é que acontece? Caiu-se num exagero. Onde estão hoje o Benfica, o
Sporting, o F.C.Porto? O futebol não passa de um negócio. Desapareceu uma certa
solidariedade de grupo. Isso fez-me desinteressar pelo futebol. O futebol
converteu-se num espetáculo e já nada tem praticamente de desporto. Apenas
isso.
Sobre o Benfica
e o futebol, já Saramago andara às voltas na longa conversa que manteve com João Céu e Silva. O jornalista pergunta se um desafio de
futebol lhe causa entusiasmo.
Não. O meu pai levava-me e eu gostava mas não me
entusiasma. Nunca fui de transferir para onze pessoas que estão ali no campo a
dar pontapés numa bola as emoções que eu deixaria sair por outras razões e por
outros motivos, Gostava de ver um bom jogo mas mesmo isso também é bastante
relativo, o que eu queria sobretudo era que o Benfica ganhasse mesmo que a
equipa jogasse mal. Eu deixei de ser sócio do Benfica há uma quantidade de
anos. Eu era o sócio 1322 e hoje estaria entre os primeiros e mais antigos,
talvez fosse o número três ou quatro. Enfim, as coisas mudam e nesse tempo era
um princípio absolutamente radical de que o Benfica só utilizaria jogadores portugueses.
E assim foi, durante uma quantidade de anos, depois – isto é um negócio como
outros – com a compra e venda de jogadores e as transferências tornou-se num
espectáculo um pouco lamentável, às vezes bastante lamentável. E não quer dizer
que uma pessoa na vida profissional, que não tenha a ver com o desporto, se
encontrar um trabalho melhor e mais bem remunerado não saia de onde estava e vá
para outro lado. Portanto, não se pode estranhar que um jogador de futebol o
faça, além de que essa coisa de amor à camisola é uma treta.
O meu avô meteu-me,
aos 6 anos, o vício do futebol, mais concretamente do Benfica. Anos mais tarde não
deixou de me dizer que as coisas mais importantes da vida não se escolhem.
António Mega
Ferreira, benfiquista assumido, gosta de ver os jogos sozinho para poder fazer
figuras tristes à vontade, porque em matéria de futebol não se pode ser
razoável, ou como disse o cineasta João Botelho, outro benfiquista: «a paixão
pelo futebol é um dos lados dos comportamentos irracionais das pessoas».
Albert Camus
dizia que o melhor que sabia sobre a moral e as obrigações dos homens, devia-o
ao futebol.
«Aprendi rapidamente que uma bola nunca nos chega de
onde a esperávamos. Isso serviu-me para toda a vida».
Mas fechamos os taipais com o escritor Mário de Carvalho:
«A maior alegria que me podiam dar era proibir a
porcaria do joga da bola e meter na cadeia essa pardalada.»
Legenda: fotografia
de José Saramago em 1933, tirada do catálogo exposição José
Saramago: A Consistência dos Sonhos
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