sexta-feira, 10 de maio de 2019

SARAMAGUEANDO


Voltamos às páginas do Joaquim Vieira em José Saramago Rota da Vida.

Vieira conta que José Saramago, vivendo na Parede com Ilda Reis e a filha Violante, inscreve-se «como o sócio nº 488 do Clube Nacinal de Ginástica da Parede, dedicando-se ao ténis como a sua actividade física favorita. E surpreendentemente publica no suplemento «Cultura e Desporto», do jornal «O Benfica», em início de 1956, um longo artigo intitulado «É tempo», onde não fala de desporto mas sim de «atitude do homem cristalizado diante da arte moderna, para fazer uma apaixonada apologia das vanguardas estéticas.

Joaquim Vieira não conta, mas José Saramago foi sócio do Sport Lisboa e Benfica e tal como se pode ler no catálogo da exposição José Saramago: A Consistência dos Sonhos em 1999 tornou-se Sócio Honorário Desportivo do Sport Lisboa e Benfica.

Há um curioso recorte do Mário Castrim, numa crítica, publicado no semanário Tal & Qual, a um programa, bem idiota, dos princípios da SIC, que dava pelo nome de Os Donos da Bola:

«O momento mais alto do programa aconteceu na Assembleia do Benfica transmitida em directo. Levantou-se para falar o sócio Jorge Máximo. “O galardão máximo da literatura foi entregue a José Saramago. Ainda por cima, José Saramago é do Benfica. Vamos daqui dar uma salva de palmas a esse grande homem, a esse grande português. Somos campeões do mundo em literatura! É isso que nós, benfiquistas, não podemos perder no nosso humanismo».
Fico siderado. Uma vontade doida de rir e não ser capaz. Porque aquilo é mesmo assim. Todos agora nos sentimos campeões do mundo em literatura, todos e não apenas os benfiquistas. Está aí a grandeza so Saramago: dar força ao nosso humanismo».

Algures, José Saramago reflecte que o futebol tem o velho problema: ou é bem, ou mal jogado.

Numa entrevista que deu a Afonso de Melo, e publicada em A Bola Magazine de Novembro 1998, José Saramago fala dos seus desencantos com o futebol.

Eu fui sócio do Benfica com os meus oito ou nove anos, Por influência do meu pai, claro está!, ele era um benfiquista ferrenho, no tempo do Estádio das Amoreiras, com aquelas bancadas e aquele peão de terceiro mundo. Mas depois as mudanças de vida levaram-me por outros caminhos. Não me apetecia estar a sair de casa para ver um jogo. Nunca fui suficientemente entusiasta para andar de bandeira e cachecol e toda essa parafernália que fez com que o espetáculo se tenha deslocado do campo para as bancadas. O que, aliás, está de acordo com os atuais costumes do Mundo. Além do
mais desagradei-me.

Também não quero estar aqui com a conversa saudosista do «antigamente  é que era bom». Mas a verdade é que, nessa época, o jogador tinha o seu clube, e clube e jogador estavam pegados um ao outro. A camisola era uma coisa respeitável. Quase como uma outra bandeira. E o Benfica viveu o orgulho de só ter jogadores portugueses...Num tempo não muito distante. E agora o que é que acontece? Caiu-se num exagero. Onde estão hoje o Benfica, o Sporting, o F.C.Porto? O futebol não passa de um negócio. Desapareceu uma certa solidariedade de grupo. Isso fez-me desinteressar pelo futebol. O futebol converteu-se num espetáculo e já nada tem praticamente de desporto. Apenas isso.

Sobre o Benfica e o futebol, já Saramago andara às voltas na longa conversa que manteve com João Céu e Silva. O jornalista pergunta se um desafio de futebol lhe causa entusiasmo.

Não. O meu pai levava-me e eu gostava mas não me entusiasma. Nunca fui de transferir para onze pessoas que estão ali no campo a dar pontapés numa bola as emoções que eu deixaria sair por outras razões e por outros motivos, Gostava de ver um bom jogo mas mesmo isso também é bastante relativo, o que eu queria sobretudo era que o Benfica ganhasse mesmo que a equipa jogasse mal. Eu deixei de ser sócio do Benfica há uma quantidade de anos. Eu era o sócio 1322 e hoje estaria entre os primeiros e mais antigos, talvez fosse o número três ou quatro. Enfim, as coisas mudam e nesse tempo era um princípio absolutamente radical de que o Benfica só utilizaria jogadores portugueses. E assim foi, durante uma quantidade de anos, depois – isto é um negócio como outros – com a compra e venda de jogadores e as transferências tornou-se num espectáculo um pouco lamentável, às vezes bastante lamentável. E não quer dizer que uma pessoa na vida profissional, que não tenha a ver com o desporto, se encontrar um trabalho melhor e mais bem remunerado não saia de onde estava e vá para outro lado. Portanto, não se pode estranhar que um jogador de futebol o faça, além de que essa coisa de amor à camisola é uma treta.

O meu avô meteu-me, aos 6 anos, o vício do futebol, mais concretamente do Benfica. Anos mais tarde não deixou de me dizer que as coisas mais importantes da vida não se escolhem.

António Mega Ferreira, benfiquista assumido, gosta de ver os jogos sozinho para poder fazer figuras tristes à vontade, porque em matéria de futebol não se pode ser razoável, ou como disse o cineasta João Botelho, outro benfiquista: «a paixão pelo futebol é um dos lados dos comportamentos irracionais das pessoas».

Albert Camus dizia que o melhor que sabia sobre a moral e as obrigações dos homens, devia-o ao futebol.

«Aprendi rapidamente que uma bola nunca nos chega de onde a esperávamos. Isso serviu-me para toda a vida».

Mas fechamos os taipais com o escritor Mário de Carvalho:

«A maior alegria que me podiam dar era proibir a porcaria do joga da bola e meter na cadeia essa pardalada.»

Legenda: fotografia de José Saramago em 1933, tirada do catálogo exposição José Saramago: A Consistência dos Sonhos

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