quarta-feira, 29 de maio de 2019

UM CHAUFFEUR RUSSO E UMA CAPA VERMELHA


Segundo números da Comissão do Livro Negro sobre o Fascismo, foram proibidas cerca de 3.300 obras pela PIDE.

Sabe-se que o romance de Max du Veuzit, John Chauffeur Russo, foi alvo de apreensão porque deveria ter algo de subversivo, e que o editor e livreiro José Ribeiro teve de ir à António Maria Cardoso explicar porque publicara o livro Isto Anda Tudo Ligado de Eduardo Guerra Carneiro com capa vermelha.

O editor e livreiro Fernando Fernandes disse um dia:

«Quando um editor suspeitava que um determinado livro estava sujeito a ser proibido combinava previamente com as livrarias da sua confiança e o envio de uma determinada quantidade de exemplares, par que no seu armazém ficasse apenas uma quantidade mínima destinada a uma eventual visita da polícia. Logo que a proibição se confirmava, as editoras informavam de imediato as livrarias e estas, por sua vez, tomavam as medidas necessárias, as quais se resumiam a esconder os livros e a avisar os seus clientes em quem podiam confiar. Para isso tinham já os seus lugares secretos só acessíveis a poucos. Mas o medo era uma constante, o medo já enraizado no subconsciente, que se manifestava mais racionalmente sempre que alguém não conhecido entrava porta adentro. Seria um novo cliente ou algum agente da PIDE para nos encomendar?»

Foi com base neste esquema, em que imperavam princípios de respeito e lealdade, que o meu pai com a cumplicidade do Senhor Carvalho, trabalhador da então Livraria Clássica Editora, nos Restauradores, junto ao edifício onde era o Cinema Eden, conseguiu, entre outros, adquirir a «Antologia de Poesia Portuguesa do Pás Guerra», organizada por Afonso Cautela e Serafim Ferreira, publicada pela Ulisseia na altura dirigida por Vitor Silva Tavares, «A Praça da Canção» de Manuel Alegre, editada também pela Ulisseia, e a Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, organizada por Natália Correia e editada pela Afrodite de Fernando Ribeiro de Melo, e que, em Junho de 1969, deu origem a um julgamento por, segundo a acusação,«algumas das poesias ou parte delas ofendem o pudor geral, a decência, a moralidade pública e os bons costumes.»

Diga-se que esta Antologia foi, no início deste mês, reeditada pela Ponto de Fuga de Vladimiro Nunes, mantém as ilustrações de Cruzeiro Seixas e também inclui o processo judicial que a sua publicação, no tempo da ditadura, provocou.

Certamente que a encontrarão à venda na Feira do Livro que hoje abriu taipais.

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