Demos cabo do
planeta.
Disto e daquilo, vivemos
com todas as comodidades.
Mas é terrível e
trágico o preço a pagar.
Como deixou expresso
o poeta José Gomes Ferreira:
«Os filhos dos nossos filhos hão-de insultar-nos: “covardes! Que nos
deram um planeta sujo”»
Esta canção, What a Wonderful World, que também vem do
saco das não canções de Natal, é uma lindíssima canção, mas é uma mentira.
Tiremos o disfarce e
não veremos nem as florestas verdes, nem as rosas vermelhas, nem o céu azul, antes
angústias derramadas em pontes sobre águas turbulentas, para lembrar uma canção
de Paul Simon.
Esta canção é também pretexto para vos ler um bonito texto de Truman Capote sobre Louis Armstrong tirado de Os Cães Ladram:
«Com certeza que o Satch já se esqueceu, mas a verdade é que foi um dos
primeiros amigos deste escritor, conheci-o com quatro anos, por volta de 1928,
quando ele, um Buda achocolatado e rechonchudo de uma intrépida felicidade,
tocava a bordo de um barco a vapor turístico entre Nova Orleães e St. Louis.
Não interessa porquê, mas eu tinha a oportunidade de fazer a viagem amiúde, e
para mim a doce revolta do trompete de Armstrong, a exuberância coaxada dos
seus apartes, «’come to me, baby», são um pedaço da madalena de Proust; fazem
ressurgir as luas do Mississípi, convocam as luzes enlameadas de vilas
ribeirinhas, o som das sereias do rio como bocejos de um crocodilo; ouço a
corrente do rio mulato a rumorejar, ouço, sempre, tump! Tump! a batida do pé
sorridente do Buda, abrindo caminho aos gritos pela «berma soalheira da rua» e
os dançarinos em lua-de-mel, estonteados do álcool de contrabando e suando
através do pó de talco, abraçados como coelhinhos às voltas pelo salão de baile
do barco. O Satch foi bom para mim, disse-me que eu tinha talento, que devia ir
para o teatro de revista; deu-me uma cana de bambu e um chapéu de palha com uma
fita verde-hortelã, e todas as noites anunciava do alto do palanque:
- Minhas e meus senhores, vamos agora apresentar-vos um dos miúdos
simpáticos da América que vai fazer um pequeno número de sapateado.
Depois eu passava pelos passageiros a recolher moedinhas no chapéu. Isto passou-se todo o Verão, fiquei rico e vaidoso; mas em Outubro o rio engrossou, a lua embranqueceu, os clientes começaram a rarear, as viagens de barco terminaram e com elas a minha carreira. Seis anos mais tarde, a morar num internato de onde queria fugir, escrevi ao meu antigo benfeitor, já então famosos, a perguntar-lhe se ele não me podia arranjar um emprego no Cotton Club, ou noutro sítio, se eu fosse para Nova Iorque. Não obtive resposta, talvez ele nunca tenha recebido a carta, não faz mal, eu continuei a gostar dele, ainda gosto.»
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