Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para
lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
ÉRAMOS TANTOS À MESA
Primeiros anos da década de 60.
Os tempos não eram fáceis.
No jantar do Dia de Natal e do Dia de Ano Novo, comia-se
perú assado no forno.
Uns dias antes do Natal, ia com o meu pai ao Lavradio
buscar dois perús, que tinham vindo do Alentejo, criados a bolota e tudo o que
há (ou havia) nos montados alentejanos.
Na Estação Sul e Sueste apanhávamos o barco para o
Barreiro, ainda a vapor.
Depois a camioneta do José Cândido Belo para o Lavradio,
onde vivia um tio que trabalhava na CUF.
Mais de meio-dia de viagens, acreditem.
Os perús vinham, vivos, em dois cestos de verga.
O do Natal era logo embebedado com bagaço, depois
temperado pela minha avó materna.
O do Ano Novo ficava dentro do tanque de lavar a roupa,
ia comendo uma mistura de pedacinhos de couve e milho, e a aguardar a bebedeira
antes de entrar no forno.
Com tudo isto gastava-se dinheiro que ultrapassava o mais
que parco orçamento caseiro.
Dinheiro que iria fazer falta nos restantes dias, mas,
festa é festa, e o Natal e o Ano Novo eram sagrados.
Para os males monetários, é que existiam as Casas de Penhores.
Nunca comi perú assado, como aquele que, depois de
maneira única temperado pela minha avó, era assado, muito lentamente, no forno.
Arroz de miúdos, batatas fritas às rodelas, salada de
alface.
Tangerinas, mas tangerinas mesmo.
O arroz doce apresentava-se em pires, com a primeira
letra do nome dos convivas, desenhada com canela.
Legenda: imagem do Arquivo Shorpy
Texto publicado no
dia 1 de Janeiro de 2017.
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