domingo, 6 de dezembro de 2020

PARTO

 


venham ver o presépio: há pouca luz.

a figura do pai desapareceu.

despedaçou-o há dia um obus.

a mãe secou o leite. não comeu

 

mais do que umas raízes e algum lixo.

já nem lágrimas tem para as desgraças.

não há vaca nem burro. nenhum bicho

na azinhaga apodrecem as carcaças.

 

não virão os reis magos. não se engana

 a agenda traficante que combina

o que pode valer a vida humana

em armamento e gramas de heroína.

 

no céu, mais um clarão de morte avança

de cauda tracejante que desponta.

nasceu estropiada uma criança.

e deus, se acaso existe, faz de conta.

 

Vasco Graça Moura poema retirado da antologia Natal… Natais

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