quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

LISBOA AO VOO DO PÁSSARO

Quando há dias Mr. Ié-Ié colocou por aqui a fotografia da placa, que num edifício em Lisboa, nos diz que ali viveu Luis de Sttau Monteiro, ficou à conversa com JC a lembrar um escritor que caiu no completo esquecimento.

Contou então que fora na “Livraria Anglo-Americana,” ali no Cais do Sodré, Rua Bernardino Costa, 32, Lisboa 2 – Telefone 327703, que comprara a edição-fora-do-mercado de “Terra Santa”, que valeu a Sttau Monteiro uns tempos passados em Caxias.

7 de Abril de 1967

O Magalhães Godinho, esta tarde:

O Supremo Tribunal de Justiça negou, por unanimidade o “Habeas Corpus” ao Sttau Monteiro.

E com voz nítida e articulada, para o futuro ouvir bem, repetiu:

- POR UNANIMIDADE.

A palavra “unanimidade” ainda conseguiu assombrar o grupinho…

Nem um, ao menos? Nem um juiz, ao menos?

José Gomes Ferreira em “Dias Comuns”, Vol. II

Eduardo Olímpio, alentejano de Santiago do Cacém, não teve lições de livros doirados, nasceu entre as dobras de ventos e trigos mas nunca traiu os amigos, como diz numa canção de que é autor, ou “um cavalo de perder corridas” como gostava de se chamar, foi, até ao seu encerramento, empregado da “Livraria Anglo-Americana”.

Com ele estabeleceu laços de amizade e cumplicidade. Quando certos livros chegavam à livraria, e ele sabia que não tardaria muito que a PIDE por lá passasse para os apreender, guardava um exemplar. Sabia o que esta casa gastava.

Gratas recordações. Conversas sem fim. 

Pena a “Zarzuela” não ter um bagaço decente para acompanhar a bica enquanto se olham as raparigas, dizia o Eduardo já com a cara a avermelhar.

Ao Lado da “Anglo-Americana” havia a Pastelaria “Caneças”. Tempos depois do 25 de Abril, a “Caneças” transformou-se em Boutique do Pão e mais tarde amplia as suas instalações comprando a “Anglo-Americana", onde se vendia um outro tipo de pão.

Um pão vale mais que um Shakespeare?

Alguém a murmurar: words words, words

Em redor da “Anglo-Americana” havia todo um mundo daquilo que todos chamavam porta-aviões.

A barra mansa do “British-Bar”, o velho “English-Bar”, quase um clube inglês daqueles dos romances policiais, hoje está lá uma cervejaria, do outro lado da rua o “Bar Americano” onde o José Cardoso Pires se sentava em silêncio, copo de whisky sobre a mesa e, ao lado, o “Califórnia”, café, restaurante, bilhares na cave, também barbeiro e manicure, kioske de jornais e revistas e o António, ao findar-da-tarde-quase-noite, a fritar uns “pregos”, carregados de alhos, ovo a cavalo, fininhos com dois dedos de espuma.

E se ele um dia perde a memória de tudo isto?

Não quer pensar nisso, chega à janela das traseiras e grita: – “Oh Incas, oh incas, oh sol d’Asía!”.

PS - O título do “post” é roubado ao Mário-Henrique Leiria, a fotografia é tirada, num dia cinzento, por um incrível caixote Kodak, máquina que deixou numa qualquer mesa, num qualquer balcão. A “Anglo-Americana” é naquela esquina onde se pode ver um reclame aos cigarros “Chesterfield”.

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