O prazer do Inverno reside no lume.
Já não lembra onde leu a frase, mas guardou-a
bem. Porque ela lhe traz o gosto que tem por lareiras e, como tantas outras
coisas, não sabe explicar o encantamento de ficar a olhar o lume, a cumplicidade
silenciosa, melancolias incuráveis, como lhe dizia o Mário-Henrique Leiria que
também gostava do Natal.
E este tempo de Natal, que vai olhando os seus últimos dias, traz-lhe sempre a ideia de frio, de lareiras. Sempre que se senta frente a uma lareira, ocorre-lhe o título de um livro, póstumo, do Manuel da Fonseca, À Lareira, Nos Fundos da Casa Onde O Retorta Tem o Café, pela cadência que transmite, a lentidão das conversas em redor do lúmi ou o suave silêncio que, por vezes, é bem melhor que as faladuras.
Não tem lareira mas gostava de ter. Não tem terra, nasceu em Lisboa, e procura
na terra dos amigos esse cheiro antigo. Tornou-se um peregrino das lareiras dos
amigos, tira-lhes fotografias.
E dá-lhe para ouvir uma velha canção do Zeca Baleiro que ele encaixa nas Outras Canções de Natal.
Faltam escassas horas para que estejamos num novo ano.
Lembranças do Helder Pinho, anos 60 e picos, que vivia na Rua da Manutenção junto ao Tejo que passa por Xabregas, a telefonar-lhe aos gritos: «Eh pá! estou a ouvir a ronca dos barcos no Tejo, bom ano, camarada» e ele a lembrar-se que o Helder citava Baptista-Bastos na Cidade Diária, livro que ele quase sabia de cor, também lembranças de José Saramago numa noite de fim de ano de 1994, «a noite de Lanzarote é cálida, tranquila. Ninguém mais no mundo quer esta paz?»
Sim, a vida, esta vida que, inapelavelmente, pétala a pétala, vai desfolhando o tempo.
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