segunda-feira, 28 de agosto de 2017

SOU TÃO ROMÂNTICO QUE ATÉ GOSTO DE CONSERVAR RECORDAÇÕES...


Falando de discos, vão para um teatro para crianças que se está organizando, segundo penso. E também empréstimo. Comigo, levo apenas quatro ou cinco de música russa e os dois de jazz que a Dietlinde me ofereceu uma vez… (Sou tão romântico que até gosto de conservar recordações. Que bom!) Deixo cá todos os que suponho que ela gostava: Bach, Mozart, Beethoven, canções de Natal, cancões alemãs e, evidentemente, os discos de música brasileira que eu caí na arara de comprar.
Bem, M.ª Isabel, creio que não estou a fazer nada ilegal, nem a prejudicar a futura venda que irá enriquecer a minha quase ex-esposa. Tudo foi emprestado… creio que ainda me resta o direito de emprestar aquilo que foi uma parte grande de mim durante muitos anos. Quando quiser, é só pedir e tudo volta. Não alterei a fortuna do unido casal nem espoliei ninguém… apenas ajudei alguns a terem, temporariamente, um pouco mais de direito à vida…
E é tudo no que respeita à casa. O resto cá está, mas a casa já não é nada. Morreu. Creio que era isto que a Dietlinde queria. Ao raspar-se de casa, declarou-me que não queria nada. Depois, pediu a viola. Levou a viola. Em seguida discos e livro. Levou discos e livros (aliás, tudo, incluindo a viola, ficou por cá, à guarda da Branca). Depois a m´quina de costura. Teve a solene afirmação, por mim feita, que a máquina era dela. Depois começou a querer mais coisas e agora conseguiu o que queria, conforme o bom processo hitleriano: tudo. O Hitler também não queria mais nada depois da Áustria, não queria mesmo mais nada depois dos Sudetas, nadíssima mais depois de Dantzig até que… apanhou a indigestão da Polónia. O diabo é que este sistema dá quase sempre como resultado a chegada de uns senhores chamados russos até Berlim. Não há dúvidas que sou muito parvo; em certa altura devia também ter resolvido zangar-me e ir até Berlim da minha jovem
Discípula de Hitler. Bem, mas adiante…
(…)
A propósito de partida: gostaria muito, mesmo muito, de ainda conseguir tomar uma bebida consigo, antes de meter os pés ao desastre. Mas, M.ª Isabel, não creio isso muito provável. Vou num cargueiro, trabalhando na conferência de carga. Foi uma manigância que arranjei para poder ir, pois estou em  falência quase fraudulenta. Como sabe, mais uma das minhas múltiplas loucuras ´+e ser também possuidor de Cédula Marítima de Praticante de Comissário. Portanto, estou legal. Se o cargueiro não chegar, cá estarei; se alguém me prender, também cá estarei. Senão, vou no dia 14. Com vento sul e mar encapelado… e confesso-lhe que muito chateado e sem acreditar nada no que vou fazer.
É assim.
Escreva-me ainda uma vez, se lhe sobrar tempo e lhe der prazer. Gostaria bem de a ler acerca de Londres e dos seus entusiasmos.
Diabo, M.ª Isabel, você vai fazer-me falta… Parece estranho, não parece?
De longe um dos maiores abraços que tenho arranjado ultimamente, agora para si

                                                                                    Mário-Henrique



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