terça-feira, 22 de agosto de 2017

UM SILÊNCIO REPLETO DE RAZÕES


 Neste livro de Correspondência, pertence a Eugénio de Andrade a primeira carta pós-25 de Abril. Não tem dia. Apenas: Maio de 1974:

O meu silêncio começa a ser escandaloso, mas tem as suas razões, algumas que conheces, outras que ignoras. Antes de 25 de Abril tive o mais íntimo dos meus amigos preso pela Pide, e depois do movimento das Forças Armadas, houve uns dias de bebedeira.
O tempo quase não chegava para a leitura dos  jornais, as emissões de rádio, a televisão. Durante uns dias este país foi outro: agora é necessário encontrar-se um ritmo, o que não é fácil. O processo democrático, ao nível dos organismos, das fábricas, das escolas, é para já uma batalha. É evidente a falta de hábito. Não tardará que a Junta de Salvação comece a ter também os seus presos políticos: a esquerda revolucionária já está a ser aproximada pelos bem-pensantes do país, incluindo os comunistas, da mais sinistra reacção.
(…)
Não tomes a mal o meu silêncio, o país começa a estar quase todo em greve, e isso é muito inquietante.

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