Já não tentava captar o poder de expressão de uma ideia.
Conseguia facilmente recusá-la e manter-me afastado. Já não me obrigava. Já não
esperava voltar a escrever. Também já não precisava de mais canções.
Tudo mudou – numa noite em que, como sempre, todos
dormiam e eu estava sentado à mesa da cozinha, com o horizonte em frente onde
se só via uma camada brilhante de luzes. Escrevi cerca de vinte versos para uma
canção chamada «Political World» e esta foi a primeira de vinte canções que
escreveria no mês seguinte. Vieram do nada. Se calhar não as teria escrito se
não estivesse acordado àquelas horas. Se calhar sim, se calhar não. Eram fáceis
de escrever, pareciam fluir com a corrente do rio. Não que parecessem
propriamente desmaiadas ou distantes – estavam mesmo a frente dos meus olhos,
mas se não as olhássemos atentamente, desapareceriam.
Uma canção é como um sonho e faz-se tudo para que se
realize. É como um país estranho em que se quer entrar. Pode-se escrever uma
canção em qualquer sítio, num compartimento de uma carruagem, num barco, no
dorso de um cavalo – estar em movimento ajuda. Às vezes as pessoas que têm o
maior dos talentos para escrever canções não as escrevem porque não estão em
movimento. Eu não estava em movimento em nenhuma destas canções, pelo menos,
exteriormente. Mesmo assim fi-las todas como se estivesse. Coisas que vemos e
ouvimos à nossa volta influenciam por vezes uma canção. A canção «Political
World» pode ter sido inspirada por acontecimentos banais. Estava-se à beira de
uma renhida corrida presidencial, não se conseguia evitar ouvir falar sobre
ela. Mas eu não tinha interesse na política como forma de arte e penso que não
foi apenas por isso. A canção é demasiado abrangente. O mundo político da
canção é mais um submundo, não o mundo em que os homens vivem, trabalham
arduamente e morrem como homens. Com a canção pensei que tinha atingido algo
importante, Foi como se acordasse de um sono profundo e descansado, e alguém
tocasse um pequeno gongo de prata e tudo voltasse à normalidade. Havia pelo
menos o dobro dos versos que mais tarde foram gravados. Versos como: «Vivemos
num mundo político. Bandeiras a voar ao vento. Vêm do nada – directas a ti –
como uma faca a cortar queijo.
Bob Dylan em
Crónicas
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