Gosto do nome: «La Gondola».
O meu pai apreciava lá ir
jantar nas noites de calor.
Ficávamos sentados
nas mesas por debaixo das buganvílias, logo no lado esquerdo quando se entra a
porta do chalé.
O edifício do
restaurante situa-se numa das últimas vivendas que, noutros tempos, enchiam a Avenida
de Berna, a Avenida da República.
O restaurante estava
de portas abertas desde 1943.
Fecharam no dia 6 de
Agosto por mor de uma permuta de terrenos entre a Câmara Municipal de Lisboa e
o Montepio Geral que ali vai construir a sua nova sede.
«La Gondola» não conseguiu entrar no capítulo do Programa Lojas com
História da edilidade lisboeta.
Por aqueles lados, a
Câmara quer que haja um enorme centro de escritórios e, para disfarçar o
cimento, projectam um pedaço de jardim.
Dão-lhe o pomposo
nome de renovação da Praça de Espanha.
Será mais um prego,
grande, mesmo grande, espetado na identidade da cidade.
Recordo o último
jantar que tivemos com o meu pai em «La
Gondola».
Era Agosto e à mesa
também estavam a Aida e o Miguel.
Abancámos na esplanada
e por ali ficámos a derreter garrafas geladas de Ponte de Lima Branco. Lembro que o meu pai comeu pescadinhas fritas
com arroz de pimentos.
Quanto aos comes dos
restantes, a memória não responde.
Naquele tempo, e este
jantar foi há mais de trinta anos, a cozinha de «La Gondola» era caseira, a preços nada exorbitantes.
Ainda os «chefs» não tinham aterrado para
destruir a cozinha portuguesa e fazer as delícias (?) de uma série de gente a
armar ao chico-rico-esperto, que não sabe o que é comida a saber a comida e faz
de um de um almoço, de um jantar uma sequela de exibicionismo e fanfarronice.
Gente que só entendem
a comida quando espetam na carta coisas como estas:
-
Cação da costa
alentejana com crosta de queijo de Serpa e coentros sobre migas de feijão
manteiga
-
- Osso buco de
borrego do norte alentejano sobre ragout de batata e ervas finas
-
Tataki de atum
marinado sobre tártaro de tomate com escabeche de legumes e seus sucos
-
Entrecosto de
porco preto marinado servido com migada de batata e azeitonas de Moura
-
Figos da horta
com creme de ovos perfumados com licor de Borba e amendoas torradas
-
Bacalhau
confitado em azeite a 70º sobre rissotto de ameijoas com coentros e espargos verdes
-
Salmão fumado
com molho de iogurte perfumado com poejos frescos e rosti de batata
-
Polvo assado no
forno em vinho tinto alentejano com batatinhas novas e tomate assado
-
Frango do campo
recheado com camarão e grelos de couve sobre talahrim com tomate xuxa e oregãos
frescos
-
Pato laqueado e
fumado e figos assados em Cabernet Sauvignon e crocante
-
Pregado com
cerejas caramelizadas e presunto de porco preto
-
Carre de borrego
em crosta de gengibre e molho de quatro especiarias
-
Creme de
ervilhas com ovos de codorniz escalfados e azeite do chouriço
Naquele tempo, a
cozinha do «La Gondola» era obra de
gente autodidacta, sem frequência de escolas de hotelaria, mas que guardavam
dentro de si os cheiros, os modos de fazer, de avós e mães, mantendo a
qualidade, a simplicidade de fazer como padrão indesmentível.
Um restaurante à
antiga, como dizia o meu pai.
Já em tempos recentes
- mais de cinco anos? Talvez! - passei pela «La Gondola», era um tarde-pós-almoço
de Janeiro, fria e chuvosa, para tirar umas
fotografias, antevendo que «La Gondola» não permaneceria por muito
mais tempo.
A ementa já não era
bem como quando lá íamos com o meu pai.
Naquele dia, rezava
assim:
Caril de gambas 20,50
euros
Bifinhos de vitela
19,50 euros
Linguine Nero Neptuno
18,50 euros
Sopa da Família 3,00
euros
Marquês de Borba Branco
16,50 euros
Quinta do Caleiro
Reserva Douro 18,50 euros
Romã em ninho de
casquinha de laranja 4,00 euros
Peras bêbadas 4,00
euros.
Nada a ver com «La
Gondola» dos outros tempos.
Terá sido esta «La
Gondola» dos tempos recentes., que neste Agosto findou.
Ficam as memórias.
Um destes dias, saberemos
que o camartelo iniciou a destruição do lindíssimo chalé.
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