terça-feira, 29 de agosto de 2017

BIBLIOTECA COSMOS


Escrevi dois volumes segundo este projecto, um intitulado “ A Ciência Hermética” e outro “O Embalsamento Egípcio”, e ambos foram publicados numa colecção famosa designada Biblioteca Cosmos, editada em Lisboa, e na qual saíram mais de 100 volumes, talvez 150.
O director da Biblioteca Cosmos era um professor da Universidade Técuica, ainda hoje muitas vezes recordado pela sua competência no ramo da Matemática. Chamava-se Bento de Jesus Caraça e conheci-o pessoalmente. A sua memória ao ser acordada no tempo presente, como às vezes sucede, não se prende ao seu saber, o que só por si o justificaria, mas à sua resistência à ditadura salazarista que nunca perdoou a ninguém que se lhe pusesse. Esteve preso, foi afastado da sua profissão, sofreu bastante e não resistiu aos sofrimentos. Tinha apenas mais quatro ou cinco anos do que eu e já morreu há mais de quarenta anos.
Das vezes que falei com ele recebeu-me sempre de modo muito correcto, com certa distância natural. Recordo um pormenor curioso. Bento Caraça era director de uma Gazeta de Matemática, análoga aos objectivos à minha Gazeta da Física, e até na tipografia daquela que esta se compunha e imprimia. Eram irmãs gémeas. Certo dia fui procurar o professor Caraça para saber da aceitação que tivera um artigo meu que lhe enviara para publicação na dita Gazeta de matemática. Ele já o tinha lido, e gostara. Ia publicá-lo, mas… Ele estava sentado à secretária, sério, compenetrado da sua função de director, e eu sentado defronte como penitente. O meu artigo versava as íntimas relações entre a Matemática e a Física e punha em relevo a importância dessas relações ao nível do ensino liceal. Intitulei-o “A Física filha directa da Matemática”. Era esta a razão do mas… O título não lhe agradou. Bento Caraça procurou fazer-me compreender que a dignidade e a gravidade da Ciência não permitiam a leveza daquelas palavras, parece que pouco virtuosas. Ele era um homem progressista, aberto às transformações sociais, revolucionário, mas há coisas sagradas. Visto isso mudei o título para “Sobre a correlação entre a Matemática e a Física no ensino liceal.”. Veio no nº 31, de Fevereiro de 1947. Ele morreu no ano seguinte, e eu ainda cá estou a apreciá-lo nas suas forças e nas suas fraquezas.

Rómulo de Carvalho em Memórias

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