Escrevi dois volumes segundo este projecto, um intitulado “ A Ciência Hermética” e outro “O
Embalsamento Egípcio”, e ambos foram publicados numa colecção famosa designada
Biblioteca Cosmos, editada em Lisboa, e na qual saíram mais de 100 volumes,
talvez 150.
O director da
Biblioteca Cosmos era um professor da Universidade Técuica, ainda hoje muitas vezes
recordado pela sua competência no ramo da Matemática. Chamava-se Bento de Jesus
Caraça e conheci-o pessoalmente. A sua memória ao ser acordada no tempo
presente, como às vezes sucede, não se prende ao seu saber, o que só por si o
justificaria, mas à sua resistência à ditadura salazarista que nunca perdoou a
ninguém que se lhe pusesse. Esteve preso, foi afastado da sua profissão, sofreu
bastante e não resistiu aos sofrimentos. Tinha apenas mais quatro ou cinco anos
do que eu e já morreu há mais de quarenta anos.
Das vezes que falei
com ele recebeu-me sempre de modo muito correcto, com certa distância natural.
Recordo um pormenor curioso. Bento Caraça era director de uma Gazeta de
Matemática, análoga aos objectivos à minha Gazeta da Física, e até na
tipografia daquela que esta se compunha e imprimia. Eram irmãs gémeas. Certo
dia fui procurar o professor Caraça para saber da aceitação que tivera um
artigo meu que lhe enviara para publicação na dita Gazeta de matemática. Ele já
o tinha lido, e gostara. Ia publicá-lo, mas… Ele estava sentado à secretária,
sério, compenetrado da sua função de director, e eu sentado defronte como
penitente. O meu artigo versava as íntimas relações entre a Matemática e a Física
e punha em relevo a importância dessas relações ao nível do ensino liceal.
Intitulei-o “A Física filha directa da Matemática”. Era esta a razão do mas… O
título não lhe agradou. Bento Caraça procurou fazer-me compreender que a
dignidade e a gravidade da Ciência não permitiam a leveza daquelas palavras,
parece que pouco virtuosas. Ele era um homem progressista, aberto às
transformações sociais, revolucionário, mas há coisas sagradas. Visto isso
mudei o título para “Sobre a correlação entre a Matemática e a Física no ensino
liceal.”. Veio no nº 31, de Fevereiro de 1947. Ele morreu no ano seguinte, e eu
ainda cá estou a apreciá-lo nas suas forças e nas suas fraquezas.
Rómulo de Carvalho em Memórias
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