Carta de Mário-Henrique Leiria, datada de S.
Domingos de Rana 15 de Agosto de 1961, para Maria Alves da Silva, advogada da
mulher do autor, em processo de divórcio:
Ando numa total desorientação, não por causa do que
penso e acredito, mas por causa de certos acontecimentos que, para mim, são
contraditórios! Você sabe o que é morrer atropelado por um velho camião já
comprado em 2ª mão e guiado por um bêbado? Pois é quase a espécie de morte que
me propõem… uma morte destas não é útil para ninguém, nem para o que morre nem
para o camião… É claro que falo por imagens (embora baratas), pois ninguém me
propôs a morte ou coisas que tais. Mas a vida proposta é idêntica a tal morte
(ou talvez pior, porque se continua vivo).
Cara Mª Isabel, também tenho que falar consigo e o
mais depressa possível, acerca de coisas legais. A minha estimada esposa
escreveu-me (recebi a carta exactamente no dia em que cheguei; agora quer a
casa toda!!! É impossível viver-se assim, venerável legista, é impossível, ou
acaba-se na loucura ou no suicídio. A uma carta em que se fazem propostas às
pessoas para irem para a Alemanha e se mandam beijos, uma carta que até abre
uma esperança de talvez não estar tudo perdido, segue-se uma carta de uma
injustiça e de uma crueldade inacreditável! Que é isto? Estará ela louca?...
Não sei, não percebo nada e ainda menos a percebo a ela…
Escrevi-lhe logo a seguir, oferecendo-lhe aquilo que
posso, aquilo que mais me custa e mais me destrói, mas que é a única coisa que
posso fazer: o divórcio. Se ela quiser, tê-lo-á imediatamente. Para quê viver
assim, para quê amar e estar constantemente a construir uma esperança que, logo
a seguir, é destruída? Para quê? É claro que o divórcio não mata o amor mas,
pelo menos, talvez a faça feliz… que é afinal, a única coisa que desejo neste
momento. Talvez você não acredite, mas desejo mais, muitíssimo mais, a
felicidade da minha mulher do que a minha. Não há em mim o menor desejo de
vingança, pode crer, existe apenas uma grande amargura e uma enorme solidão…
Nada a fazer, parece-me…
Gostaria portanto de “conferenciar” consigo. Se ainda
cá estiver e puder, telefone-me entre as 9h e as 10h da manhã para o 044396.
Talvez você consiga explicar-me aquilo que não compreendo: uma mulher abandona
o lar e o marido declarando abertamente que gosta de outro e depois… depois
exige tudo o que abandona (excepto o marido, claro) e continua a torturar o
marido, só por saber que ele ainda a adora… É brutal, é o menos que posso dizer.
Cara Isabel, despeço-me com a profunda vénia asiática
que é da praxe quando se quer ser “progressivo”…
Um abraço que ainda é de Camarada do
Mário-Henrique
Mário-Henrique
Leiria em Depoimentos Escritos
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