segunda-feira, 7 de agosto de 2017

NUNCA SE SABE COMO É, COMO NÃO É


No Tarrafal… enquanto nas prisões de Luanda o que funcionava era o sentimento nacional, a comunidade, porque o inimigo estava no exterior e, portanto, nós estávamos ali naquela comunidade nacional, no Tarrafal não havia o inimigo exterior. O Tarrafal é no arquipélago de Cabo Verde, na ilha de São Tiago, a aldeia e o Tarrafal, o campo. Há o mar e o inimigo é a natureza contra a nossa condição de seres humanos. Ali estávamos isolados da nação, o que deu origem a que nos virássemos para dentro de nós. O Tarrafal é a prisão em mim. Virámo-nos para dentro. É certo que estavam presos da UNITA, estava o MPLA, estava a FNLA. Mais tarde vieram os estudantes, vieram os irrecuperáveis dos outros campos, mas muitas contradições já apareciam e os Papéis reflectem isso no que anotei sobre mim próprio, na minha dificuldade em passar de um ambiente em que ear tudo óbvio, para um ambiente em que muitas das atitudes, das acções e muitos dos sentimentos, palavras e conflitos, eram provocados por questões de camada social. Eu não digo de classe, mas de camada social, aquilo a que no tempo se chamava pequena burguesia… nunca se sabe como é, como não é.

José Luandino Vieira em Papéis da Prisão

Legenda: fotografia de um catálogo sobre o Tarrafal do Museu do Neorealismo

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