No Tarrafal…
enquanto nas prisões de Luanda o que funcionava era o sentimento nacional, a
comunidade, porque o inimigo estava no exterior e, portanto, nós estávamos ali
naquela comunidade nacional, no Tarrafal não havia o inimigo exterior. O
Tarrafal é no arquipélago de Cabo Verde, na ilha de São Tiago, a aldeia e o
Tarrafal, o campo. Há o mar e o inimigo é a natureza contra a nossa condição de
seres humanos. Ali estávamos isolados da nação, o que deu origem a que nos
virássemos para dentro de nós. O Tarrafal é a prisão em mim. Virámo-nos para
dentro. É certo que estavam presos da UNITA, estava o MPLA, estava a FNLA. Mais
tarde vieram os estudantes, vieram os irrecuperáveis dos outros campos, mas
muitas contradições já apareciam e os Papéis reflectem isso no que anotei sobre mim próprio, na minha
dificuldade em passar de um ambiente em que ear tudo óbvio, para um ambiente em
que muitas das atitudes, das acções e muitos dos sentimentos, palavras e
conflitos, eram provocados por questões de camada social. Eu não digo de
classe, mas de camada social, aquilo a que no tempo se chamava pequena
burguesia… nunca se sabe como é, como não é.
José Luandino Vieira em Papéis da Prisão
Legenda: fotografia de um catálogo sobre o
Tarrafal do Museu do Neorealismo
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