quarta-feira, 24 de março de 2021

RUA DO SÉCULO, 79


Os gradeamentos das janelas

negam a quem os contempla da rua

qualquer sugestão de vida

a ser vivida por trás das grades.

Os caixilhos de ferro forjado

sugerem locutórios de um convento

da mais ascética austeridade,

como se o espaço (cujo acesso

as grades peremptoriamente vedam)

fosse votado por inteiro a extremos

exacerbados de misticismo e de penitência.

Mas também se pressentem salões escuros,

onde paira sempre o cheiro fresco a encerado,

ou a perfume de rosas e noz-moscada;

paredes revestidas de damasco,

cobertas de grandes telas,

paisagens campestres e naturezas mortas.

Medalhões de talha dourada, segurados

por fitas de seda listrada a duas cores;

silhuetas de damas coroadas de peruca,

fantasmas da corte da Rainha Louca,

móveis nas suas molduras de tartaruga e charão.

Frederico Lourenço em Resumo:a poesia em 2010

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