E tu reapareces a
rir com a cabeleira bêbeda, o ar é uma árvore onde a a estação treme com as
folhas depressa, o assunto das colinas torna-se tenebroso e azul, reapareces do
fundo radioactivo da ausência, boa-noite, fecho os olhos a essa coisa como
entendido pavor, amo esta espécie de algum movimento contra a luz fixa, noite
poeira de tabaco e agora o louvor da tua ressurreição, e a primavera é um
choque no angélico barro adormecido, e os animais entram no espaço que te segue
por toda a parte, e eu desejo regenerar a solidão e o sono, das negras dunas de
seus corpos sobem estrelas operárias ferozmente embriagadas, e de novo cerro os
olhos com ironia mortal e lentidão humana, eu digo: ela é uma paisagem
repentina que se exerce — e agora a paciência devasta a minha vida respiratória
como um símbolo, o coração tem sono leve, tu és doce num esquecimento inclinado
para trás, boa-noite, e digo: o ar é magnético— tu ris para provar que somos
eternos, mas eu sei que a idade se fez milagrosa, e estamos numa imagem voltada
perigosamente para o terror e a paixão — a alegria como um princípio teatral,
dizes tu, e os animais passam com a flor das cabeças dobrada num perfume forte
— as raízes dos cometas cravam as unhas no ar, e tu reapareces.
Herberto Helder em Vocação Animal
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