Este não é um livro de José Gomes Ferreira, é um livro sobre José Gomes Ferreira.
Trata-se da reunião das teses, reflexões e mesa-redonda, efectuadas nos dias 19 e 20 de Fevereiro de 2001, na Faculdade de Letras do
Porto, cidade que viu nascer o poeta.
«Falamos de um
homem e um poeta que viveu em desassossego consigo mesmo, com a palavra e com o
mundo. Desassossego também visível nos múltiplos caminhos que talhou, do cinema
à música, do teatro à narrativa, sempre acompanhado pela voz da poesia.»
Há escritores que descobri sozinho, quando digo sozinho, são escritores que não faziam parte, não havia um único livro, da Biblioteca da Família, erigida pelo meu avô e pelo meu pai. Dois exemplos: José Gomes Ferreira e José Saramago. Há mais, mas estes são traves mestras do meu edifício livresco.
JOSÉ GOMES FERREIRA
«O José Gomes Ferreira sempre exigiu que «saudades, só do futuro», uma frase brilhante, motivadora para comprar A Memória das Palavras, onde a frase está pasmada a páginas 40.
A frase tinha-a lido numa crítica de televisão do Mário Castrim, e a frase soou-me tão bem. Lembro-me que era o tempo do findar da Feira do Livro, pedi uns escudos ao meu avô e saí a comprar o livro. Custava 45$00, com o desconto de feira ficou por 36$00, preço escrito a lápis, no topo lado direito da 1ª página do livro. Ainda lá está.»
JOSÉ SARAMAGO
Foi na Livraria Portugal que topei, pela primeira vez, com o
nome de José Saramago.
Estávamos em 1966, tinha então 21 anos, e não fazia a mínima ideia quem era
José Saramago, tão pouco dele ouvira falar. Mas o livro que olhei fazia parte
de uma colecção de prestígio: Colecção Poetas de Hoje da Portugália
Editora.
Folheei o livro e do que fui vendo nascia um sentimento de gosto e prazer.
Houve tempo para passar os olhos pela Fala do Velho do Restelo ao
Astronauta, mais dois, três poemas, mas a decisão foi apenas uma:
estava com a minha gente. «Aqui direi que busco a só maneira, de todo
me encontrar numa certeza, leve nisso ou não leve a vida inteira. Assim
como quem rói as unhas rentes».
Uma parte interessantíssima deste livro, é o capítulo que reúne os testemunhos dos que participaram na mesa-redonda do Colóquio: Gastão Cruz, José Manuel Mendes, e Alexandre vargas e Raul Hestnes Ferreira, filhos do Zé Gomes.
Gastão Cruz começou a sua intervenção lembrando que José Gomes Ferreira, seguindo o destino de tantos escritores depois de morrerem, caiu num certo apagamento «depois de um período em que chegou a ter uma certa popularidade e foi dos escritores mais falados, mais conhecidos, mais lidos.»
Sim, quem é que hoje lê José Gomes Ferreira?
Há também o depoimento de José Manuel Mendes em que se
destaca o facto de se saber se José Gomes Ferreira era ou não neo-ralista. Um
debate interminável. Óscar Lopes considerava-o um um escritor neo-realista,
o melhor poeta do neo-realismo.
Copio o que disse José Manuel Mendes:
«O Mário Dionísio, que tinha sido e se manteve, até ao
fim da vida, uma referência do movimento em apreço, um crítico finíssimo e
escrupuloso, tinha as suas reservas, expressas em textos bastante conhecidos
que não vale a pena aqui reproduzir. Mas aquela mágoa, uma mágoa muito mais
encenada do que real, que o Zé Gomes alardeava, por não ter sido considerado
neo-realista numa época de neo-realismo, mágoa do avesso, uma espécie de
enunciação saboreada de singularidade, apenas sublinhava o quanto a sua obra
era contaminada não só pelas referências finisseculares a que aludi, também por uma tangência
surrealizante, no Eléctrico notória, entre experimentações e ousadias de vária índole.»
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