Eu, meu caro, estou
farto de ser um grande escritor desconhecido, quando todos os medíocres são louvados
e «ensaiados». Não se abre página ou revista portuguesa em que não apareçam
largos nacos sobre a poesia do fulano e a do sicrano, entrevistas com o mais
recente novelista, etc., a ponto de dar nojo. Vive-se comemorando os 25, os 30,
os 40, os 50, os 70, a puta que os pariu, anos da vida literária ou civil de
toda a gente. Ainda agora se acocoraram diante do X, que aliás estimo
pessoalmente e admiro. Alguém se lembrou dos 30 anos da minha vida literária,
dos 25 anos do meu primeiro livro? Não: porque não sou prostituta, nem
pederasta público, nem chefe comunista, nem director de editorial, nem
seareiro, nem vértice, nem o diabo. Mas sempre se tentou, no meio de tanta
admiração, usar o Eugénio, a Sophia, o Ruy, o Kim, o Portugal, os meus amigos,
para eu ser diminuído na comparação. Ora bolas para a admiração que têm por
mim.
Eu não preciso que
ninguém me diga que sou um dos maiores poetas da língua portuguesa, um dos
contistas mais originais, um dos críticos mais sérios e importantes, autor de
algum do teatro mais significativo do século. Eu sei que sou. Mas o público e o
estrangeiro precisa. De modo que os meus admiradores e amigos na sua contemplação
devotada irmanam-se aos meus inimigos, ou melhor, àqueles que me detestam pelo
simples facto de eu existir. E este é o ponto. No fundo, meu caro, concordo que
sou too much, que aquela cultura de
borra não precisa de uma pessoa como eu – como nunca precisou de nenhum dos
seus grandes enquanto vivos, a não ser que se talhassem em bronze, possidónios
e fariseus, como o Antero & Cª.
De uma carta, datada de 8 de Junho de 1967, de Jorge de
Sena para Eduardo Lourenço em
Correspondência
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