terça-feira, 9 de março de 2021

NÃO SOU PROSTITUTA NEM PEDERASTA PÚBLICO


 Eu, meu caro, estou farto de ser um grande escritor desconhecido, quando todos os medíocres são louvados e «ensaiados». Não se abre página ou revista portuguesa em que não apareçam largos nacos sobre a poesia do fulano e a do sicrano, entrevistas com o mais recente novelista, etc., a ponto de dar nojo. Vive-se comemorando os 25, os 30, os 40, os 50, os 70, a puta que os pariu, anos da vida literária ou civil de toda a gente. Ainda agora se acocoraram diante do X, que aliás estimo pessoalmente e admiro. Alguém se lembrou dos 30 anos da minha vida literária, dos 25 anos do meu primeiro livro? Não: porque não sou prostituta, nem pederasta público, nem chefe comunista, nem director de editorial, nem seareiro, nem vértice, nem o diabo. Mas sempre se tentou, no meio de tanta admiração, usar o Eugénio, a Sophia, o Ruy, o Kim, o Portugal, os meus amigos, para eu ser diminuído na comparação. Ora bolas para a admiração que têm por mim.

Eu não preciso que ninguém me diga que sou um dos maiores poetas da língua portuguesa, um dos contistas mais originais, um dos críticos mais sérios e importantes, autor de algum do teatro mais significativo do século. Eu sei que sou. Mas o público e o estrangeiro precisa. De modo que os meus admiradores e amigos na sua contemplação devotada irmanam-se aos meus inimigos, ou melhor, àqueles que me detestam pelo simples facto de eu existir. E este é o ponto. No fundo, meu caro, concordo que sou too much, que aquela cultura de borra não precisa de uma pessoa como eu – como nunca precisou de nenhum dos seus grandes enquanto vivos, a não ser que se talhassem em bronze, possidónios e fariseus, como o Antero & Cª.

De uma carta, datada de 8 de Junho de 1967, de Jorge de Sena para Eduardo Lourenço em Correspondência 

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