O Labirinto da
Saudade
Eduardo Lourenço
Capa: Armindo Lopes
Gradiva, Lisboa, Dezembro de 2020
Se um ensaísta é um experimentador do possível, Sérgio não foi no pleno sentido do termo um autêntico ensaísta. De algum modo, o seu reino foi o do impossível que ele soube apresentar como o possível, por essa passagem quase fatal que liga o ser ao dever ser. Sérgio foi um utopista. Não o dizemos nem para o censurar, nem para nos dessolidarizarmos imaginariamente dele. Sob a nossa pluma é o supremo elogio. Ao realismo da aceitação do inaceitável preferiremos sempre a luta pelo ainda não possível e até pelo impossível. O mais profundo sentido do idealismo de Sérgio vive desta inspiração e por isso deve e merece viver em nós e integrar-se na linha de cumes que ele idealizou mas sem os quais a nossa marcha não tem sentido. O nosso urgente dever continua sendo o de pensar com o máximo de claridade e na suposição de que se a Razão não move o mundo deve movê-lo. Mas desse dever faz parte pensar essencialmente o que se opõe na realidade e em nós mesmos a esse apetite insanável de transparência. Não basta nomear o irracional para o vencer, nem sequer em sonho. A sua função é converter-se em pesadelo. Necessária, a ilusão idealista não deixa de ser uma ilusão e, sob o plano da História, uma maneira subtil de ser vencido pelo que imaginávamos vencer pensando-o. A História foi e é ainda cabeça de Medusa. Só cortando-a, aboliremos (acaso) a sua horrível fascinação. Sérgio acreditou heroicamente que bastava olhá-la de frente e desmontar o seu mecanismo. O seu próprio exemplo nos ensina a modéstia. O pensamento não se pensa senão para chegar a pensar-se. Com uma lentidão e uma dificuldade extrema, que o seu destino é sopesar e sublevar num mundo que já está aí, nos excede e não nos basta.
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