terça-feira, 7 de dezembro de 2021

UMA AUTENCIDADE ESPANTOSA

18 de Julho de 1968

Envergando a sua fina camisa de boa seda, bem engravatado e sem casaco, o N. – recordo-o agora – mostrou-me um cartão da Maria Judite de Carvalho em que esta guitarra cigana tão dolente e fina, penetrante e nostálgica, não se sabe de quê, recusou dar uma entrevista ao suplemento do jornal, a pretexto de que é antiliterária. Com a sua incapacidade de entender o que não meta cifrões, o N. (que a admira, está claro, pois as incomparáveis crónicas dela são pólen adejante que entra pela mais ténue frincha) comentou:

-Veja lá, não tem consciência do valor que tem…

Disse-lhe que pelo contrário!

A autenticidade dessa mulher é realmente espantosa, se tivermos em conta, por demais, que não sofreu qualquer influência visível do Urbano, o que é bem difícil, se levarmos em conta a irradiação que o caracteriza. Apetece ajoelhar diante dela, para lhe beijar humildemente os pés.

Mário Sacramento em Diário.

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