Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Livro polémico, pois então.
Quando calhava em conversa, José Saramago atalhava sempre:
Desde há muitos anos que eu venho dizendo que a Bíblia tem umas quantas
histórias mal contadas.
E uma vez, em
Penafiel, também lembrou:
Concretamente “Caim” tornou-se
mais polémico, não propriamente pelo tema em si, mas por algumas afirmações que
Saramago proferiu em Penafiel, aquando da apresentação do livro e que criaram,
um acontecimento mediático, um pequeno vendaval, entre os suspeitos do costume,
a maior parte nem o livro lera e sucederam-se as incompreensões, as
resistências, ódios velhos.
Numa entrevista Saramago disse:
«O teólogo Hans Kung disse sobre isto uma frase que considero definitiva,
que as religiões nunca serviram para aproximar os seres humanos uns dos outros.
Só isto basta para acabar com isso de Deus. Mas há coisas muito mais idiotas,
por exemplo: antes, na criação do Universo, Deus não fez nada. Depois, decidiu
criar o Universo, não se sabe porquê, nem para quê. Fê-lo em seis dias, apenas
seis dias. Descansou ao sétimo. Até hoje! Nunca mais fez nada! Isto tem algum
sentido?”, perguntou.“Deus só existe na nossa cabeça, é o único lugar em que
nós podemos confrontar-nos com a ideia de Deus. É isso que tenho feito, na
parte que me toca.»
Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a Adão e
Eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da
boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar
irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden, a
quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais,
produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio
de mugidos e rugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos,
desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo
poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após
outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta
abaixo.
(Página 11)
A terra está completamente corrompida e
cheia de violências, só encontro nela corrupção, pois todos os seus habitantes
seguiram caminhos errados, a maldade dos homens é grande, todos os seus
pensamentos e desejo pendem sempre e unicamente para o mal., arrependo-me de
ter criado o homem, pois que por causa dele o meu coração tem sofrido
amargamente, o fim de todos os homens chegou perante mim, porquanto eles
encheram a terra de iniquidades, vou
exterminá-los, assim como à terra, a ti, noé, escolhi-te para iniciares a nova
humanidade, e assim mandei que construísses uma arca de madeiras resinosas, que
a dividisses em compartimentos e a calafetasses com betume por dentro e por
fora.
(Página 158)
Legenda: pormenor da capa, da autoria de Rui Garrido. do livro Caim.
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