terça-feira, 21 de dezembro de 2021

SUPLEMENTO DE FASCÍNIO

14 de Maio de 1992

No cinema, Basic Instinct, com Sharon Stone em grandeza e plenitude. Curiosamente, é um filme de que quase toda a gente se sente obrigada a dizer mal, com a preocupação de se demarcar de qualquer suspeita de poder ter gostado por motivos menos puros. Contudo, trata-se de um policial interessante e bem executado, e é difícil ficarmos indiferentes à presença de Sharon Stone. Mas porquê? Por ela ser belíssima e elegantíssima? Seria insuficiente. Há no filme um suplemento de fascínio, que resulta do confronto entre a mera inteligência masculina e uma inteligência sexual que combina o mais feminino dos corpos com a mais masculina capacidade de raciocínio. A famosa cena do interrogatório não é apenas interessante pelo facto de Sharon Stone, ao descruzar as pernas num relance o sexo nu. O que se passa é mais do que isso: é uma debandada (em todos os sentidos do termo) da inteligência masculino policial face a uma inteligência que se reforça na afirmação fálica através do modo como desafia os homens quanto à sua vontade de continuar a fumar. O riso nervoso e perturbado que se difunde entre polícias e espectadores do filme é apenas o reconhecimento constrangido de que uma inteligência sexual é sempre mais inteligente do que uma simples inteligência sem mais nada. O que o filme de Paul Verhoeven tem de provocatório é o curto-circuito que estabelece entre o primitivo da instância sexual e o mito computorizado de uma inteligência sem falhas.

Eduardo Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume II

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