Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
Para o dia de hoje, os sublinhados
saramaguianos recaem num livro sobre José Saramago. Trata-se de José Saramago,
A Luz e o Sombreado, uma reunião de textos versando José Saramago que Venâncio
foi escrevendo para diversos jornais e revistas.
No prefácio esclarece:
«Contra
uma concepção assépica dos estudos literários, aceito que a literatura é uma
fonte de prazeres e uma fonte de constrangimentos. A minha leitura de José
Saramago foi até hoje, e talvez deva continuar a ser, ocasião de desencontradas
sensações. Não sei se isso é sinal, ou mesmo prova, da grandeza do objecto. Só
sei que José Saramago é um escritor que me desvanece e me agasta, e isto só
pode querer dizer que é um escritor que me interessa. Mais certezas não tenho.»
Na primeira abordagem, a atenção recai
sobre o capítulo 4 do livro: «Obscuro crítico, 45 anos» que envolve o tempo em
que Saramago exerceu crítica literária na Seara Nova.
Numa carta, datada de 8 de Maio de 1967,
José Saramago diz a José Rodrigues Migueis:
«Sabe que fui promovido a crítico
literário? E da Seara, ainda por cima, que é coisa fina. Eu conto: Aqui há
meses telefona-me o Costa Dias a dizer que queria falar comigo. Que era, que
não era, e vai daí vem o convite. Abri a boca de puro pasmo. Encontrámo-nos, e
eu, honesto e perplexo, modesto e desconfiado, dou as minhas razões Contra:
falta de preparação e de grau universitário, pouco tempo disponível ou nenhum,
independência ideológica, etc., etc. A nada o Costa Dias se moveu. Que eu sou
um sujeito assim, que eu sou um sujeito assado, e por aí fora. Acabei por
aceitar. E lá estou. Veremos por quanto tempo. É que, de mim para mim, assentei
que à mais pequena pressão ou torcidela de nariz, tiro de lá os pés. Para o
último número, escrevi duas críticas, uma das quais a Censura deitou abaixo.
Bom princípio.»
José Saramago
publica a sua primeira crítica na Seara Nova no nº 1459
referente a Maio de 1964, e a última aparece no nº 1476, referente a Outubro de
1968.
Fomos muitos os que passámos uma fase de
deslumbramento por Agustina. De José saramago é que não se adivinhava
semelhante fraqueza. São duas as vezes que dela na Seara Nova se ocupa, à
distância de seis meses, e tanto parece ter bastado para a quebra do feitiço.
Decerto: logo começara por achar que as ideias da romancista “não se limitam a
ser conservadoras: são retrógadas.” Mas, pergunta-se ele, “como é possível não
ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que não tem igual na
literatura portuguesa deste tempo?” E conclui: se há em Portugal “um escritor
de génio”, esse é Agustina Bessa-Luís.
Saramago estava apanhadinho. Mas, meio
ano depois, caía em si. Começa devagar, com passos de felino: “Sendo ou não
sendo o maior escritor de hoje, é caertamente o que melhor domina e molda o
barro da língua.” Mas… ela tem “os defeitos das suas virtudes”, E poderá acabar
embalada na música que ela própria produz. Deste modo, “tanta beleza plástica,
tanta profundidade”, vão terminar afundadas na confusão, na incoerência.
Enquanto crítico da Seara Nova,
José Saramago debruçou-se duas vezes sobre livros de Agustina Bessa Luís: As
Relações Humanas e Homens e Mulheres.
Numa chamou “génio” a
Agustina, noutra disse que Agustina “corre o risco muito sério de
adormecer ao som da sua própria música”
Quem não achou piada alguma à história
foi José Gomes Ferreira, possivelmente, por entender que José Saramago seria a
última pessoa no mundo a chamar génio a Agustina
Bessa-Luís.
A 2 de Janeiro de 1968 escreve José
Gomes Ferreira no 4º volume dos seus Dias Comuns:
«Quase todos os críticos têm chamado
génio a Agustina Bessa Luís (verdade seja que alguns depois se arrependem;
Gaspar Simões, Óscar Lopes, José Régio, sei lá quantos).
Agora, chegou a vez ao Saramago que, no
último número da “Seara Nova”, não resistiu a proclamar: “como é possível não
reconhecer e declarar que se há em Portugal um escritor onde habite o génio (vã
esta palavra, ainda que perigosa e equívoca) esse escritor é Agustina Bessa
Luís?»
Escreve Fernando Venâncio:
«Fomos muitos os que passámos uma fase
de deslumbramento por Agustina. De José saramago é que não se adivinhava
semelhante fraqueza. São duas as vezes que dela na Seara Nova se ocupa, à
distância de seis meses, e tanto parece ter bastado para a quebra do feitiço.
Decerto: logo começara por achar que as ideias da romancista “não se limitam a
ser conservadoras: são retrógadas.” Mas, pergunta-se ele, “como é possível não
ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que não tem igual na
literatura portuguesa deste tempo?” E conclui: se há em Portugal “um escritor
de génio”, esse é Agustina Bessa-Luís.
Saramago estava apanhadinho. Mas, meio ano depois, caía em si. Começa devagar, com passos de felino: “Sendo ou não sendo o maior escritor de hoje, é caertamente o que melhor domina e molda o barro da língua.” Mas… ela tem “os defeitos das suas virtudes”, E poderá acabar embalada na música que ela própria produz. Deste modo, “tanta beleza plástica, tanta profundidade”, vão terminar afundadas na confusão, na incoerência.»
Legenda: imagem de David Alexander Colville
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