Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
No último Sublinhados Saramaguianos trouxemos aqui a crítica que em 1968, na Seara Nova, José Saramago fez a O Delfim de José Cardoso Pires e a
pergunta que, em 1994, perante aquela crítica, José Saramago faz: Onde tinha a cabeça?
No meio destas datas, há um episódio que
junta Saramago e Cardoso Pires, precisamente o ano de 1983, e refere a
atribuição do Prémio da Associação Portuguesa de Escritores.
Na revista do Expresso de
1 de Abril de 1983, Regina Louro, reportava uma antevisão do prémio.
Título da peça: Grande Prémio
para um escritor: quem será, será…
«Na próxima quarta-feira haverá em
Portugal um escritor feliz. Feliz e abonado. Terá ganho o Grande Prémio da
Associação de Escritores, e o mesmo é dizer: o maior galardão literário
existente entre nós.»
O ano de 1982 dera uma safra de bons
romances, se bem que no balanço publicado pelo Diário de Notícias,
João Gaspar Simões chamou-lhe «o balanço impressionista de um ano pouco
impressionante» e o balanço de Maria Lúcia Lepecki, no Expresso,
deixa vincado que «não são numerosos os livros absolutamente
invulgares, mas muitos são francamente bons».
O júri, os nomes só viriam a ser
conhecidos no dia da atribuição do prémio, debruçou-se sobre uma trintena de
livros, onde se encontravam: Café República de Álvaro
Guerra, Ora Esguardae de Olga Gonçalves, Paisagem com
Mulher e Mar ao Fundo de Teolinda Gersão, O Inventário de Ana de
Maria Isabel Barreno, O Número dos Vivos de Hélia
Correia, A Manta Religiosa de Nuno Júdice, Explicação
dos Pássaros de António Lobo Antunes, Passeios do Sonhador
Solitário, O Bosque Harmonioso de Augusto Abelaira, O
Cais das Merendas de Lídia Jorge, Balada da Praia dos Cães de
José Cardoso Pires, Rio Triste de Fernando Namora, Memorial
do Convento de José Saramago.
Em Abril de 1983, apenas tinha lido as
obras de Cardoso Pires, de Saramago, de Teolinda Gersão, de Abelaira, de Hélia
Correia, de Lídia Jorge.
No lote dos favoritos estavam Saramago,
Cardoso Pires e Namora.
Volto ao artigo de Regina Louro:
«É claro que eu poderia confessar que já
sei, a uma semana de distância, quem é que vai ganhar. Ninguém me prenderia por
isso, ao que suponho, e até talvez aumentasse a minha reputação jornalística.»
No dia 6 de Abril de 1983 ficava a
saber-se que, por unanimidade do júri, José Cardoso Pires era o primeiro
galardoado com o prémio da Associação Portuguesa de Escritores.
O júri era composto por Jacinto Prado
Coelho, Maria da Glória Padrão, Maria Lúcia Lepecki, Óscar Lopes, Álvaro
Salema.
Clara Ferreira Alves no JL:
«Dizia-se a meia voz e pelos cantos habituais que o júri zaragateava, barafustava, gritava e discutia com veemência os méritos dos principais candidatos à paternidade da que seria considerada a melhor obra de ficção de 1982.»
Olham-se os nomes que constituíam o
júri, e muito dificilmente, tanto quanto deles se conhecia, se entende a
unanimidade.
Suspeito que sou, a minha escolha recaía em José Saramago.
Como normalmente se diz sobre o raio das
escolhas: amizades, ódios, invejas, gostos, tendências, conciliábulos,
boatos, especulações, política.
Apenas em 1993, com O Evangelho
Segundo Jesus Cristo, o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, é
atribuído a José Saramago.
No 1º volume dos seus Cadernos de
Lanzarote, José Saramago fala-nos deste encontro:
« Colóquio no Centro Nacional de Cultura.
Fizemos – a Lidia Jorge, o Cardoso Pires e eu – o melhor que sabíamos e
podíamos, mas o público não quis ajudar: poucas perguntas, e nenhuma com
interesse. Em certa altura faltou a luz, tiveram de acender velas. No fim,
fomos jantar à Bénard: um bom jantar e uma conversa ainda melhor. Para não
variar, quando nos despedimos, perguntámos uns aos outros: «Por que é que não
nos vemos mais vezes.»
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