quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

O facto de pegar num livro de Saramago não determina que, num só dia, esgote os sublinhados que nesse livro estão. Quando e como calhar, voltarei.

Hoje estou com As Intermitências da Morte.

Numa leitura que fiz e que, lamentavelmente, perdi a referência, deparei-me com esta ideia:

«Não só me diverti bastante quando li As Intermitências da Morte, como me comovi. Não se pode pedir mais a um escritor.»

Revejo-me nestas palavras.

Já Maria Alzira Seixo não andava longe destas palavras:

 «É um romance divertido, pois que nos pode dar maior satisfação do que rir à custa da morte, a única coisa no mundo que não faz rir ninguém, a não ser em esgar ou exorcismo?»

Não estará deslocado deixar a opinião de José Saramago:

 «Foi um livro escrito com alegria. Falar da morte e dizer que o fiz com alegria,,, É uma alegria que vem não só pelo tom irónico, sarcástico às vezes, divertido, mas também porque é como se me sentisse superior à morte dizendo-lhe: «Estou a brincar contigo.»

O primeiro sublinhado desta visita, vai para as primeiras palavras do livro:

«No dia seguinte ninguém morreu.»

(Página 13)

O segundo sublinhado vai para as palavras finais:

 «Quer que chame um táxi para a levar ao hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei contigo, e ofereceu-lhe a boca. Entraram no quarto. despiram-se e o que estava escrito que aconteceria, aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto. debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.»

(Página 213)

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