Dito
já que começaram as iniciativas que visam
registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei
pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um
parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo
dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam
a Biblioteca da Casa.
O facto de pegar num livro de Saramago
não determina que, num só dia, esgote os sublinhados que nesse livro estão. Quando
e como calhar, voltarei.
Hoje estou com As Intermitências da Morte.
Numa leitura que fiz e que,
lamentavelmente, perdi a referência, deparei-me com esta ideia:
«Não
só me diverti bastante quando li As Intermitências da Morte, como me comovi.
Não se pode pedir mais a um escritor.»
Revejo-me nestas palavras.
Já Maria Alzira Seixo não andava longe
destas palavras:
«É um romance divertido, pois
que nos pode dar maior satisfação do que rir à custa da morte, a única coisa no
mundo que não faz rir ninguém, a não ser em esgar ou exorcismo?»
Não estará
deslocado deixar a opinião de José Saramago:
«Foi um livro escrito com alegria. Falar
da morte e dizer que o fiz com alegria,,, É uma alegria que vem não só pelo tom
irónico, sarcástico às vezes, divertido, mas também porque é como se me
sentisse superior à morte dizendo-lhe: «Estou a brincar contigo.»
O primeiro
sublinhado desta visita, vai para as primeiras palavras do livro:
«No dia
seguinte ninguém morreu.»
(Página 13)
O segundo
sublinhado vai para as palavras finais:
«Quer que chame um táxi para a levar ao
hotel, e a mulher respondeu, Não, ficarei contigo, e ofereceu-lhe a boca.
Entraram no quarto. despiram-se e o que estava escrito que aconteceria,
aconteceu enfim, e outra vez, e outra ainda. Ele adormeceu, ela não. Então ela,
a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala e retirou a carta
de cor violeta. Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a
pudesse deixar, sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então
no próprio quarto. debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava. Não
o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde, ela que
poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira, ela
que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos, e era um simples
fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias, que fazia arder a carta
da morte, essa que só a morte podia destruir. Não ficaram cinzas. A morte
voltou para a cama, abraçou-se ao homem e, sem compreender o que lhe estava a
suceder, ela que nunca dormia, sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente
as pálpebras. No dia seguinte ninguém morreu.»
(Página 213)
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