sábado, 18 de dezembro de 2021

A FINGIR DE VIVO MAIS ALGUM TEMPO

Natal de 1948

Uma consoada triste, com minha mãe a apodrecer no cemitério. À chegada, já não estava ela à porta a esperar-nos, nem ao jantar as rabanadas tinham o mesmo gosto. O velho, coitado, foi até onde pôde  para se mostrar mais humanizado. Recebeu-nos ele, e fez as honras da casa. Como era impossível delegar na companheira perdida as delicadezas e os sorrisos, a sua timidez esforçou-se e apresentou-se gentil e afectuosa. É como se ele tivesse também morrido já, mas estivesse condenado a fingir de vivo mais algum tempo.

Miguel Torga em Diário, Volume IV

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