Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a Biblioteca da Casa.
Ainda estamos com o livro de Fernando
Venâncio, no capítulo que o autor chamou: Obscuro,
Crítico, 45 anos:
Na derradeira crítica que José Saramago
faz para a Seara Nova, aborda dois
livros: O Despojo dos Insensatos de Mário Ventura e O
Delfim de José Cardoso Pires.
Sobre a crítica ao livro de Cardoso
Pires há-de escrever, a 22 de Julho de 1994, um texto que consta do Vol. II dos Cadernos
de Lanzarote:
Agora eis-me perante os fantasmas de
opiniões que expandi há quase trinta anos, algumas bastante ousadas para a
época, como dizer que Agustina Bessa Luís “corre
o risco muito sério de adormecer ao som da sua própria música”. Apesar da
minha inexperiência, e quanto sou capaz de recordar, creio não haver cometido
grossos erros de apreciação nem injustiças de maior tomo. Salvo o que escrevi
sobre “O Delfim” do José Cardoso Pires: muitas vezes me tenho perguntado onde
teria eu nesse momento a cabeça, e não encontro resposta…
Hoje, relida a crítica, percebe-se o espanto de Saramago ao” não saber onde
tinha a cabeça” quando se debruçou sobre O Delfim.
Conhecendo-se o Saramago de então, não é
fácil encontrar motivos para não ter entendido (?) o que Cardoso Pires queria
com o livro.
Só Saramago nos poderia responder, e
nunca o fez claramente.
Uma boa altura para lembrar o estafado: ninguém
é perfeito!
O crítico
Venâncio abre o frasquinho de veneno quando escreve «que não há traço
de entusiasmo» quando Saramago se debruça sobre o livro de Cardoso Pires. «Sem
dúvida, o livro é achado “tecnicamente perfeito”, a provar as qualidades de “rigor,
economia e disciplina” que sempre distinguiram a obra. Mas cedo Saramago
singra, e aí se fixa, para a consideração do marialvismo (e sabe-se quanto
Cardoso Pires achava esse, aqui, secundarizável). Na opinião do crítico, se era
para a “condenação” que o romancista pendia, não menos se denunciava “certa
tinta de simpatia, um odor de saudade dos tempos antigos.” Uma complicada mas
patente “relação de amor-ódio”, concluía ele. Por uma vez com gravidade, a
subtilrza abandonara o crítico. Não ocorreu a Saramago que, desde a primeira à
última página, O Delfim é o corajoso funeral do marialvismo. E que, cada assomo
da “simpatia”, da saudade”, mais ensombrado o féretro passa.
Ah! Saramago
onde tinhas a cabeça?!...
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