segunda-feira, 30 de outubro de 2023

OLHAR AS CAPAS



Morrer em Portugal 

Mário Ventura

Capa: José Cândido

Livraria Bertrand, Lisboa, Abril de 1975

Começou a nevar de manhã cedo, no momento em que o ar ficou mais seco, nevou durante todo o dia, e ao cair da noite uma camada muito branca e pouco segura cobria todo o Norte da Espanha. A neve tombava ainda quando o escuro e longo comboio, avultando estranhamente no manto branco, avançou pela noite dentro, com os homens que regressavam ao aseu país.

A meio da madrugada aquele comboio entrara de obcecar-me. Esperava havia horas, cercado pela neve e pela indiferença da cidade adormecida. As perguntas que fazia de quando em vez, para convencer-me a mim próprio de que o tempo passava, encontravam o eco como resposta. Só o uivo prolongado dos «mercadorias» em marcha me dizia que nem tudo dormia naquela noite sem fim, noite que reavivava o pesadelo de outras noites intermináveis.

«Quando llega el emigrante?»

Nem sequer uma palavra, apenas um encolher de ombros.  E sobre todas as coisas, pessoas e palavras que não se disseram, um frio penetrante que empurrava para a inconsciência. 

Sem comentários: