A imagem mostra a contra capa da 1ª edição de Manual de Pintura e Caligrafia de José Saramago.
Saramago classificou este livro como um
ensaio de romance.
Numa conversa com Carlos Reis, Saramago
disse-lhe:
«Provavelmente não siu um romancista; provavelmente
eu sou um ensaísta que precisa de escrever romances porque não sabe escrever
ensaios».
Nas fichas de leitura do serviço de Bibliotecas
Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, assinada por Joana Varela:
«Se José Saramago quisesse ser exacto e
gostasse de desvendar segredos, em vez de Manual de Pintura e Caligrafia,
chamaria muito simplesmente ao seu livro Manual de Vida, porque, no fundo, é só
disso que se trata.
Mário Soares comprou o seu exemplar do Manual de Saramago na Livraria
Moraes e, em alto e bom som, terá dito:
«Manual de Pintura e Caligrafia? Mas o
que é que o Saramago sabe disto?»
Nas fichas de leitura do serviço de
Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, assinada por Joana
Varela:
«Se
José Saramago quisesse ser exacto e gostasse de desvendar segredos, em vez de
Manual de Pintura e Caligrafia, chamaria muito simplesmente ao seu livro Manual
de Vida, porque, no fundo, é só disso que se trata.»
Quando em Dezembro de 1976 José Saramago
publica Manual de Pintura e Caligrafia,
rodeou o livro de uma esperança de que teria uma boa aceitação por parte da
crítica e pelos eseus leitores que, certamente, Saramago desconhecia quantos
seriam.
Leitor assumido de Saramago, comprei o
livro e dele muito gostei, gosto que, com o andar dos tempos, não se perdeu.
Robert
Walser, citado por Rosa Montero em A Louca da Casa, após a publicação do
seu primeiro livro, escreveu:
«É uma verdadeira desgraça quando um
escritor não obtém sucesso com o seu primeiro livro, como me aconteceu a mim.»
Ainda Rosa
Montero:
«Estou a pensar no pobre Robert Walser. Hoje
é uma personagem de culto, um nome importante, embora não popular, da
literatura contemporânea em alemão Mas a verdade é que, enquanto foi vivo,
ninguém lhe deu a menor importância.
Finalmente, em 1905, o jovem Walser
conseguiu que lhe publicassem o seu primeiro livro e até que lhe fizessem um
contrato para o segundo. Esta conquista, que deve ter sido um dos momentos mais
felizes da sua vida, implicou, a sua perdição. Walser, entusiasmado, deixou o
trabalho de empregado de escritório assim que assinou o contrato, decidido a dedicar-se
profissionalmente à escrita mesmo antes de sair a sua primeira obra e sem ter
em conta o êxito que podia ter. Ou melhor, que não teve, porque foi um completo
fracasso. Fizeram-lhe dias excelentes críticas, uma delas assinada por Herman
Hesse, mas o livro com uma tiragem de mil e trezentos exemplares, só vendeu
quarenta e sete cópias, e o editor franziu o nariz e decidiu não cumprir o
acordo e não publicar a segunda obra.»
Deixemos Robert
Walser, deixemos Rosa Montero, voltemos a José Saramago:
Joaquim Vicente no seu Rota
de Vida, conta que Nelson de Matos terá dito que o Manual tinha
vendido três exemplares, um dos quais comprado por Mário Soares, que quando o
adquiriu na Livraria Moraes, terá dito: «Manual de Pintura e
Caligrafia? Mas o que é que o Saramago sabe disto?»
É uma história, malévola história, de
quem detesta Saramago, no fundo dos fundos também uma história muito mal contada.
Eu comprei o livro. E ao tempo, sei de mais pessoas que o compraram.
«É talvez o meu livro mais
autobiográfico», reconhecerá o próprio Saramago.
O escritor
Mário de Carvalho:
«O livro não entusiasmou ninguém. Julgo
ter percebido, então, o quanto aquele livro era importante para José Saramago e
a incomodidade por que deve ter passado perante apreciações mais ou menos
evasivas ou condescendentes. Tinha apostado muito forte. Creio que ainda hoje
valoriza muito o Manual… Mas nas opiniões então dominantes, que, no essencial
me parecem acertadas, não era ainda o romance de um grande escritor. Não tinha
sido desta…»
José Manuel
Mendes inserirá o livro do amigo na coerência de um percurso literário: «Se
lermos com atenção os dois livros que ele escreveu antes, Terra do Pecado e
Claraboia (sobretudo Claraboia), entendemos
que está ali integralmente um homem capaz de fazer uma obra de grande
envergadura. Depois, a tarimba do jornal e particularmente da crónica, mais do
que os artigos de opinião, servem-lhe para experimentação de mecanismos de
escrita e de procedimentos textuais de vária ordem. E quando um dia parte para
a escrita do Manual de Pintura e Caligrafia, livro que
valorizo bastante, ele está maduro para fazer esse tipo de experiência e
levá-la a bom porto, a um bom resultado. O romance é um bom romance.»
Começa nestas páginas o estilo que Saramago aperfeiçoará constantemente ao longo da sua obra.
«Poderei escrever sempre, até
ao fim da vida.»
«Que quero eu? Primeiramente,
não ser derrotado. Depois, se possível, vencer.»
E quase definitivo:
«Não sou já, não sou ainda, não
sei que serei.»
José Saramago vai ter com Nelson de
Matos à Moraes para que lhe publique Levantado do Chão.
Nelson de Matos diz que não pode.
Os motivos, e o resto, estão neste excerto de uma entrevista que deu ao Expresso
de 27 de Novembro de 2004.
Nela se fica a saber o motivo porque não aconteceu continuar a ser o editor do
que seria o futuro Prémio Nobel de Literatura, do amigo, do camarada…
Nelson de Matos tem razões suficientes para, cada vez que se lembra do
episódio, murmurar de si para si, que o destino é mesmo um tipo sem moral
nenhuma.
«- Quando estava na altura na editora Moraes, você não publicou o terceiro
original de José Saramago.
- Nós não temos a mesma leitura dos acontecimentos, porque o Saramago conta
isso de uma maneira e eu conto de outra. Peço desculpa ao Saramago por
considerar que ele conta mal, porque ele acha que existiram influências
sinistras da minha decisão. E a verdade é que não existiram, foi uma coisa
bastante mais prosaica. Ou seja: eu publiquei um livro de contos que se chamava
“Objecto Quase” e um romance, “Manual de Pintura e Caligrafia”.
- Qual era o terceiro?
- O “Levantado do Chão”, que o Saramago me apresentou, que eu li, e gostei –
nada a dizer sobre o livro, que é um excelente romance. Mas nessa altura a
Moraes estava no fim.
- Falida?
- Exactamente. Os livros anteriores do Saramago não tinham vendido. Ele
tinha estado no “Diário de Notícias” e estava a atravessar aquele período
negativo posterior, muito marcado politicamente. Tive que lhe dizer: “José, fiz
duas experiências, não resultaram, lamento não ter condições para poder fazer a
terceira.” E não publiquei. Esse livro, por coincidência e por felicidade – e
digo-o sem nenhum rancor…
- … foi a explosão
- … foi o início da explosão de Saramago e do seu sucesso futuro. Portanto,
passei a ter no meu currículo de editor o ter recusado publicar um futuro
Prémio Nobel.
- Essa é uma nódoa inapagável!
- E não é a única! Na vida dos editores, essas coisas acontecem com relativa
frequência: o não se apostar num autor e ter uma grande surpresa.
- Ficou surpreendido quando ganhou o Nobel?
- Claro, porque um Nobel nunca se espera. Quando me disseram, eu estava em Frankfurt,
no meio de uma reunião. Claro que fiquei contente. Mas foi mais um
contentamento do que uma surpresa.- Voltou a chamar-se a si próprio: “Que
grande estúpido que eu fui!”
- Sim…Lembro-me que, depois, estive com o Saramago, sentado, no “stand” da “Dom
Quixote”, num momento de descanso. Estivemos a falar e divertimo-nos um pouco
com essa situação.
- Não ficaram sequelas entre os dois?
- Da minha parte, nunca. Da parte do José Saramago, creio que ele ficou
desgostoso e suponho que nunca me perdoou ou entendeu esse gesto. Sempre
relatou isso como se eu tivesse tido pressões para não o editar. E isso não é
verdade.
- Que tipo de pressões?
- Políticas, empresariais, eu sei lá!
- Mas vocês pertenceram ao mesmo partido, ainda por cima.
- Sim, sim, sim
- Você ainda estava no PCP?
- Ainda, o que mostra o absurdo da situação.»
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