A Vida Difícil
Italo Calvino
Tradução: Fernanda Branco
Capa: Sebastião Rodrigues
Biblioteca Arcádia de Bolso – Secção VI –
Ficção – nº 1
Editora Arcádia, Lisboa, 1962
Vim
estabelecer-me nesta cidade numa altura em que absolutamente nada me importava.
«Estabelecer» talvez nem seja a expressão correcta. Não acalentava qualquer
desejo de estabilidade; pretendia apenas que à minha volta tudo continuasse
fluido e provisório, pois que só deste modo me parecia possível salvaguardar
uma certa estabilidade interior, cuja substância não saberia contudo explicar.
Por isso quando, graças a uma série de recomendações, me foi proposto o lugar
de redactor do periódico A Purificação, vim para esta cidade procurar alojamento.
Para
quem acaba de desembarcar dum comboio é inevitável que toda a cidade tenha o
aspecto duma gare: por mais que se ande, deparam-se ruas cada vez mais
esquálidas, ladeadas de oficinas, escritórios de despachantes, cafés com
balcões forrados a zinco, camiões que despejam na cara de quem passa uma fumara
fétida, e muda-se a mala constantemente de mãos, sentindo-as incharem, suadas;
sente-se o nervoso e a roupa interior colada à pele, enquanto todas as coisas
que se avistam parecem sem relação umas com as outras, isoladas e móveis.
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