Ergues o olhar: surpreendes por instantes essa hora
em
que o mundo envelhece: ténues as variações do branco
parecem
dissolvê-lo numa longínqua música, anterior à chuva
Ou será então a imagem submersa de um filme a preto e branco
Há
próximo um branco vibrante: o da cal ainda recente
mas
que a humidade salina já a espaços mordeu,
recortando
as feridas cinza na varanda a que vens.
Não
há ninguém aqui. Quem te chame, digo.
Há
o branco baço na parede que em frente em vão separa
rua
e praia. Tendo já transposto essa fronteira incerta
ou
erguendo-se para lá dela há o branco pobre da areia:
As
dunas plenárias sustentam os corpos deitados de mar e céu.
Aí
é agora o grande branco: o clarão velado e difuso
que
guarda e distribui a memória embaciada do azul
e
do verde, do oiro e da prata — uma lembrança vã.
Tu
escreves no visível do mundo essa névoa branca e desolada
que
o motor da paisagem produz. As folhas do ar são como
se
fossem as levíssimas pétalas, as vagas sílabas de uma neve –
e
essa névoa engolfa, atrasa e apaga na travessia os simulacros
das
coisas supostas e imaginadas que o mundo te envia
enquanto
esperas por alguém que não virá
Manuel Gusmão
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