Os Teus Passos nas Escadas
Antonio Muñoz Molina
Tradução: Rita Custódio e Alex
Tarradellas
Capa: Carlos César Vasconcelos
Colecção Ficções
Relógio d’Água Editores, Lisboa, Julho
de 2020
Depois
de ter viajado tanto na minha vida, agora tornei-me sedentário. Não me apetece
nada sair da cidade. Nem sequer atravessei para o outro lado do rio no
cacilheiro. Nos dias de muito calor, tive uma desculpa perfeita para ficar no
apartamento. E, quando saio, quase nunca me fasto do bairro, que tem qualquer
coisa de aldeia recatada, de mundo completo, íntimo e, ao mesmo tempo, aberto à
amplitude do rio, à zona dos cais onde os veleiros e os navios de contentores
atracam. Os pilares dos extremos da ponte erguem-se sobre as encostas do
bairro. O centro da cidade e as multidões de turistas ficam longe de aqui. Vivo
num retiro no interior do outro retiro de Lisboa. Podemos encontrar tudo aquilo
de que precisamos para a nossa vida sem caminhar mais de vinte minutos. As
frutarias, o talho, a padaria, as pastelarias nas quais também servem almoços
baratos e saborosos, os restaurantes aos quais as pessoas que trabalham pelo
bairro vão almoçar, com os seus menus colados na montra, escritos à mão em
toalhas de papel. A largura do mundo exterior cabe nos confins do bairro: os
restaurantes indianos ou nepaleses, os de Moçambique, ou de Goa, o Jardim
Botânico Tropical com as suas espessuras de bambu, as suas palmeiras altíssimas
da Polinésia, os pinheiros do Tibete, as araucárias australianas. No Jardim Botânico
a Luria observa com
reverência e intriga os pavões, e persegue os gansos com uma crueldade tão
absurda com a predilecção que tem, se eu não estiver atento, por comer as sua fezes.
Se almoço fora, tento procurar uma esplanada ao ar livre para levá-la comigo e
ela não ficar sozinha.
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