José Saramago sobre o que somos. Palavras saídas, a maior parte delas dos Cadernos de Lanzarote.
Muita gente, muitos leitores, muitos
críticos não compreenderam, não compreendem o porquê deste diário-quase-diário.
No volume II, Saramago, face a uma
crítica que Luís Pacheco escreveu, deixa opinião:
«Melhor
do que outros encartados críticos e observadores de olhos de falcão, mostra ter
compreendido porquê e para quem ando eu a escrever estas sinceridades.»
No Ensaio
Sobre a Cegueira, a rapariga dos óculos há-de dizer:
«Há dentro de nós uma coisa que não tem
nome, essa coisa é o que somos»
«Em
Março de 1997, José Saramago deu uma conferência na Universidade Johann
Wolfgang Goethe, em Frankfurt :
“Que
fazemos, em geral, nós, os que escrevemos? Contamos histórias. Contam histórias
os romancistas, contam histórias os dramaturgos, contam histórias os poetas,
contam-nas igualmente aqueles que não são, e não virão a ser nunca poetas,
dramaturgos ou romancistas. Mesmo o simples pensar e o simples falar quotidiano
são já uma história. As palavras proferidas, ou apenas pensadas, desde o
levantar da cama, pela manhã, até ao regresso a ela, chegada a noite, sem
esquecer as do sonho e as que ao sonho tentaram descrever, constituem uma
história com uma coerência própria, contínua ou fragmentada, e poderão, como
tal, em qualquer momento, ser organizadas e articuladas em história escrita.
(…) o autor está no livro, o autor é todo o livro, mesmo quando o livro não
consiga ser todo o autor.»
«As perguntas: “Quem és?” ou “”Quem sou?” têm respostas fáceis: a pessoa
conta a sua vida e assim se apresenta aos outros. A pergunta que não tem
resposta formula-se de outra maneira: “Que sou eu?” Não “quem” mas “quê”.
Aquele que fizer essa pergunta enfrenta-se com uma página em branco e o pior é
que não será capaz de escrever uma palavra que seja.»
«Queriam saber tudo quanto me aconteceu e fiz,
desde que nasci como escritor e como pessoa. Era como se procurassem a receita
mágica, ou não tanto, que faz passar alguém do anonimato nas letras ( sempre
relativo) às letras da fama ( relativa sempre). Falo-lhe de trabalho e de
disciplina, digo-lhes que não ter pressa não é incompatível com não
perder tempo, que o pecado mortal do escritor é a obsessão da carreira, ilustro
tudo isto com a minha própria vida, valha ela o que valer, e não me esqueço de
acrescentar que para tudo se necessita sorte: a sorte grande de que os leitores
nos descubram a tempo, ou, menor sorte essa, que nos descubram ainda que já
seja demasiado tarde para que o saibamos nós.»
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